Entenda como a Tragédia do Farol de Smalls pode ter influenciado o filme Lighthouse com sua assustadora narrativa.
Lighthouse é um filme de Robert Eggers que dispensa apresentações. Mergulhado em mitologia e referências literárias e artísticas da virada do século XIX para o XX. O filme nos prende com seus diálogos poéticos e seu suspense asfixiante.
No entanto, uma história da vida real parece ter sido uma larga influência em sua história. Veja como a tragédia do Farol de Smalls tem de semelhanças com o filme Lighthouse.
A Tragédia do farol de Smalls
Em 1801, os faroleiros Thomas Howell e Thomas Griffith, conhecidos por se desentenderem com frequência, foram enviados para cuidarem do pequeno farol Smalls do País de Gales, a 32 kilômetros da costa.
Após algum tempo, em um dia como qualquer outro, Thomas Griffith sofre um acidente inesperado e começa a piorar rapidamente de saúde. Howell tenta de toda forma chamar alguma ajuda a ilha, mas sem sucesso.
Vivendo um século antes da invenção do rádio, sem telégrafos instalados na ilha, e com uma tempestade que piorava dia após dia, Howell se viu sem alternativas.
Após algumas semanas de sofrimento, Griffith acaba morrendo. Inegavelmente, uma grande preocupação tomava conta de Howell.
O Risco de Enforcamento
Seus desentendimentos com Griffith eram conhecidos. Dessa maneira, caso suspeitassem que a morte de seu parceiro de trabalho fosse proposital, Howell poderia acabar na forca por um crime que não cometeu.
O corpo de seu amigo era sua única testemunha, por isso descartar o cadáver ao mar estava fora de cogitação. Sepultá-lo era impossível, pois o farol se encontrava numa ilha rochosa, e um enterro digno poderia acelerar a decomposição do cadáver. Mesmo deixar o corpo a céu aberto do lado de fora era arriscado, devido à tempestade que assolava a ilha.
Dessa forma, restava a Howell manter o cadáver dentro da cabana do farol, onde ele dormia e comia. Um lugar de sufocantes cinco metros de diâmetro. Nesse meio tempo, logo o cheiro de decomposição perturbou os sentidos de Howell, percebendo que aquela situação não poderia durar.
Como esconder um cadáver
O faroleiro, que antes havia trabalhado na criação de barris, decidiu construir um caixão para guardar o corpo com a madeira da divisória da cabana. Num esforço que talvez tenha durado dias, enquanto Howell manteve suas obrigações de zeladoria com o farol, sozinho.
Howell conseguiu amarrar o caixão numa prateleira do lado exterior da cabana. Porém, durante um ponto mais energético da tempestade, o caixão foi parcialmente destruído e o cadáver do companheiro ficaria parcialmente a mostra.
Fontes mais folclóricas dizem que o braço desprendido do corpo se prendeu em uma posição que parecia acenar com o vento. Tudo a vista de Howell pela única janela da cabana.
Um pedido de ajuda
Um sinal de emergência fora lançado e alguns navios até navegaram ao redor do pequeno farol. Mas sem conseguir se aproximar devido a violenta maré que acompanhava a tempestade.
Todos retornavam ao porto com a mesma notícia. Diziam observar um braço balançando ao vento, mas que não respondia a sinais ou gritos.
Da mesma forma, relatavam que mesmo com o sinal disparado a semanas, o farol permanecia funcionando dia e noite. De tal forma que talvez a situação não fosse tão ruim?
O fim da tragédia
Por meses, Howell manteve suas obrigações com o farol, dormindo a poucos metros do cadáver de seu companheiro. Fora quatro meses de tempestade até que ela terminasse e um barco alcançasse o farol, resgatando o faroleiro de seu infortúnio.
Howell pareceu completamente devastado pela experiência, tanto psicologicamente como fisicamente. Seu cabelo havia embranquecido, tremia… Mudara tanto que nem mesmo seus amigos e familiares o reconheciam.
A maior parte das informações sobre essa história, eu retirei dessa fonte aqui, em inglês.
Novos tempos, novas medidas
Após o incidente, a política de zeladoria do farol havia mudado para que três pessoas cuidassem do local. Caso uma delas padecesse e a outra não precisasse ficar sozinha em seus afazeres.
Felizmente, pois em 1831, um novo desastre iria assolar o local. Uma onda oceânica atingiria o farol de tal forma que o chão se desprenderia e faria com que seus habitantes se chocassem com o teto, levando a morte um de seus três tripulantes.
A influência da tragédia em Edgar Allan Poe
Primeiramente, não consigo deixar de enxergar a inspiração para A Narrativa de Arthur Gordon Pym de Edgar Allan Poe. Em específico quando os marinheiros avistam num navio ao longe, uma sombra acenando para eles. Apenas para notarem ser um cadáver amarrado ao mastro do navio.
Edgar Allan Poe escreveria ainda um rascunho sobre um faroleiro isolado em um farol, registrando os acontecimentos por meio de um diário.
Porém, a história nunca foi completada, parando apenas no terceiro dia de registro (com alguns críticos acreditando que isso significaria a morte do faroleiro).
Adaptações ao cinema e rádio
A trama da Tragédia do Farol de Smalls foi adaptada para um programa de rádio na BBC em 2011, roteirizado pelo escritor galês Alan Harris.
No enredo foi adicionado uma narrativa de drama familiar que envolvia Mary, esposa de Griffith que teria tido um caso com Howell.
https://www.youtube.com/watch?v=mXr-hGQw9BI
Em 2016, é lançado um filme baseado nos eventos, com Chris Crow na direção. Nesta versão temos também uma narrativa sobre a família de Griffith, que morreu há pouco tempo. Deixando o faroleiro amargurado e tornando-o ateísta.
O filme faz um contraste interessante com a peça de rádio, pois neste, Griffith é uma pessoa devota a deus e se nega a beber por isso. Enquanto no filme o faroleiro se afoga na bebida ao perceber a tempestade na ilha.
O que da tragédia real permanece em Lighthouse
Robert Eggers fez extensa pesquisa para construir o enredo do filme, como já havia dito nesse artigo. Certamente, ao ler sobre o caso, Eggers decidiu trazer uma narrativa sobre identidade entre os dois faroleiros de mesmo nome. O passado de Howell como trabalhador de madeira também parece ser uma influência no passado de lenhador de Winslow.
O segmento onde Griffith encontra a bebida escondida e decide se embebedar ao descobri que a tempestade os manteria presos a ilha. Aliada a cena onde os dois faroleiros dançam e cantam velhas músicas de marinheiros, também parece uma influência direta no filme de Eggers.
O horror da vida real
A verdade é que Eggers conseguiu adicionar tantos detalhes, mitologias e elementos narrativos diferentes, que o pequeno episódio do farol de Smalls permanece assim. Uma curiosidade sinistra.
Nos sobra apenas uma tenebrosa narrativa sobre o terrível acidente que mudou para sempre seu sobrevivente. Que por meses teve de dormir e trabalhar com o constante aceno do braço perdido de seu companheiro de trabalho morto.
A tragédia do Farol de Smalls nos ensina mais uma vez sobre os verdadeiros horrores que a vida real pode nos proporcionar.
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