Conheça Army of One (sem tradução pra português ainda), obra de Junji Ito que lida com temas como: Isolamento voluntário japonês, seitas macabras, distanciamento social antes da pandemia e como usar dramas pessoais como pano de fundo para narrativas de horror.
Junji Ito
Nome em ascensão na cultura pop dentro de narrativas de horror, Junji Ito já escreveu obras mundialmente famosas como o horripilante “Uzumaki” e o sucesso “Tomie”. Assim como sua coletânea de pequenas histórias publicadas no Brasil como “Fragmentos do Horror”.
Porém, há algumas pequenas histórias de Ito que imagino, vale tanto destaque quanto as já citadas. Lançado junto ao mangá “Hellstar Remina” (obra de profundo horror cósmico), Army of One é um complexo “one shot” que entrega uma horripilante narrativa em poucas páginas.
Assim, caso deseje, e também o inglês esteja em dia. Há uma edição no Youtube com trilha sonora e efeitos especiais muito bons, perfeito para quem ainda se confunde com a ordem de leitura de mangás japoneses.
Da mesma forma há também diversos sites online com leitura disponível em português, se pesquisar.
Army of One de Junji Ito, um resumo
A histórica começa com um passeio casual de um desconhecido e seu cachorro que, casualmente, descobre em um córrego, um casal morto e costurado um no outro.
Após essa horrível imagem, somos enfim apresentados a Michio, o protagonista da história. Michio é um “Hikikomori” uma pessoa que decidiu se isolar socialmente quase completamente em sua casa (mais sobre isso depois).
Pelos olhos do garoto, vemos o incidente passado sendo noticiado em um telejornal, sem maiores detalhes sobre as motivações ou investigações do assassinato.
Descobrimos através da interação com sua preocupada mãe que o garoto de agora 20 anos decidiu se afastar de todos a pelo menos sete anos. Consigo, além de trazer um lanche, a senhora trás um convite para uma reunião escolar.
É pelas antigas memórias do rapaz que conhecemos Natsuko, antiga amiga de escola de Michio e um potencial interesse amoroso. É ela quem pretende organizar a reunião, e por isso convidou Michio.
Perdido em seus pensamentos e memórias, o rapaz percebe uma estática em seu rádio onde, logo após, uma misteriosa música parece tocar.
Army of One, uma seita secreta?
Uma música sobre não ser uma pessoa solitária, sobre amizade e reunir com as pessoas. Onde a palavra Army of One (exército de um) é repetida várias vezes. O programa é ignorado pelo protagonista.
Outro dia, talvez sabendo do gênio difícil do garoto, Natsuko faz uma visita em sua casa para convencê-lo ao menos de se reunir com os amigos de classe num café, não muito longe dali.
Buscando se soltar um pouco, Michio descobre que a garota por quem fora apaixonado está se casando, e com um dos seus antigos companheiros de classe presentes no café.
Pressionado por seus sentimentos reprimidos, o garoto se despede apressadamente. Não antes sem receber um convite para uma festa de solteiros organizada pelo amigo restante do encontro, que o garoto educadamente rejeita.
O horror finalmente o encontra
Caminhando um pouco para relaxar a mente, Muchio se depara com uma multidão encarando um córrego onde, para seu horror, está um grupo de pessoas mortas e costuradas.
Ao mesmo tempo que um avião sobrevoa o local, cantando a música tema do misterioso grupo “Army of One” e jogando panfletos com falas como “ninguém gosta de um solitário”, “todos juntem seus corações agora”.
Após alguns dias, Michio recebe uma ligação de uma preocupada Natsuko perguntando sobre o amigo em comum que havia organizado a festa de solteiros. Não é preciso muito tempo depois para saber que todos os membros da festa foram mortos e costurados também.
Os assassinatos começam a aparecer na mídia, mostrando que pouco se sabe sobre as origens dos assassinos e o funcionamento do grupo. Em um fórum online, Michio discute com amigos sobre como os casos estão sendo abafados e uma informação importante: Parece que os assassinatos são direcionados a pequenos grupos e aglomerações.
A necessidade do distanciamento social
Preocupado, o garoto liga para Natsuko pedindo para que reencontro seja adiado, até que o misterioso grupo seja preso. Recomendação que é ignorada pela amiga.
Após uma noite de festas de véspera de natal, a cidade é amanhecida com uma horrenda visão na sua praça central. Junto aos enfeites de natal espalhados em árvores, estão o corpo de diversas pessoas costuradas que comemoraram a data em grupo.
A mídia e as autoridades se mostram completamente perdidas com os acontecimentos. A maioria dos eventos é adiada ou cancelada, mas o reencontro organizado por Natsuko se mantém, com uma dose reforçada de segurança.
Contrariado e preocupado com a segurança da garota, Michio observa de longe a festa sem a intenção de participar. Porém é confundido como membro do grupo “Army of One” e é cercado de policiais.
Apenas a presença de Natsuko o liberta da situação, mas com a condição de que ele tenha de participar nas festividades. Após um momento de tensão os personagens descobrem que o salão está vazio, e todos desapareceram.
Com o tempo, toda a comunidade entra em total isolamento social. Famílias estão isoladas uma das outras, mesmo em suas próprias casas. Há uma inversão de interação entre Michio e sua mãe, que se despede dela para encontrar com Natsuko.
Um momento de esperança ocorre quando, ao passear pelas ruas vazias, o garoto observa o avião misterioso novamente entregando panfletos da organização. Mas dessa vez um caça militar persegue o suspeito, enchendo o rapaz de esperança pelo fim da organização.
Porém, uma última cena, que não irei contar aqui, acaba com todas as esperanças do garoto. Num último momento de horror absurdo.
Hikikomori, o isolamento voluntário
Tratado como problema de saúde pública no Japão, Hikikomori é o auto isolamento que acomete a vida de diversos jovens no Japão.
Exaustos pela pressão dos padrões sociais japoneses, esses jovens escolhem a auto reclusão como vergonha ou dificuldade de lidar com a pressão social, ou inabilidade de ter uma vida social.
Esse comportamento também é abordado em Yumi Nikki. Jogo onde a protagonista, presa em seu próprio apartamento, consegue sair apenas em seu mundo de sonhos e fantasia.
Algo parecido é vivenciado em Silent Hill 4. Onde Henry se encontra trancado em seu próprio apartamento por dias. Conseguindo sair apenas por um buraco que aparece em seu próprio banheiro.
O drama como narrativa do horror
Em suma, algo que funciona excepcionalmente bem nas narrativas de Junji Ito é de como o Horror é apenas um auxílio para a grande narrativa dramática.
Embora muitos possam criticar a história por começar já com uma cena de horror, sem muito contexto ou apresentação de personagens, para mim é justamente o contrário.
Enquanto vamos mergulhando no drama pessoal de Michio, aquela imagem do começo se mantém no nosso subconsciente. Inesperadamente rastejando sorrateiramente, nos lembrando que algo muito mais sinistro está acontecendo, e que logo encontrará o protagonista de forma ou outra.
Uma seita maligna e misteriosa
Nas primeiras páginas do mistério de Army of One, a narrativa nos faz acreditar que seus executores podem participar de uma seita secreta. Um perigo muito próximo da realidade japonesa.
Conhecida como Aum Shinrikyo, fundada por Shoko Asahara, a seita apocalíptica ficou famosa pelo ataque de gás no metrô de Tóquio em 1995 e acabou sendo classificada como terrorista.
Porém, essa seita foi apenas a mais famosa dentre uma série de misteriosas seitas japonesas. Umas tão assustadoras como os Clubes Japoneses de Suicídio na Internet, onde grupos de jovens combinam de se reunir para cometer suicídio. Os grupos ainda hoje dão trabalho para polícia japonesa.
Decerto, essas e outras seitas permeiam o imaginário popular japonês, e seus perigos transbordaram para as páginas desse mangá de forma quase subconsciente.
Army of One em tempos de pandemia
Certamente, ler essa história em tempos de pandemia é uma experiência aterrorizante. Em muito pela capacidade do autor em conseguir prever situações que, da primeira vez que vi, pareciam completamente absurdas.
A reação da mídia, a resistência das pessoas em manter o distanciamento social, um mundo onde somos reféns de algo maior que nós, que vem para mudar radicalmente a nossa rotina mais básica. Esse é o verdadeiro horror.
Quero dizer, a imagem de vários corpos mortos costurados entre si também não é nada aprazível.
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