Clássico absoluto, premiado pela academia e considerado por muitos como a melhor obra de terror de todos os tempos. O Exorcista sem dúvida é título obrigatório para todo interessado em filmes do gênero. Sendo escolhido principalmente por aqueles que estão começando a desenvolver o gosto por filmes assustadores.
Minha história não é diferente, tive meu primeiro contato com o longa com quatorze anos e a experiência me deixou marcado por muito tempo. Porém só recentemente ao longo dos meus trinta anos que fui dar uma nova chance ao longa. Fiquei surpreso em como o mesmo filme pôde me despertar impressões diferentes em épocas distintas da minha vida, e é sobre isso que pretendo falar hoje.
O Exorcista na Adolescência
É com carinho que lembro da última experiência educacional de recuperação de férias no mês de dezembro. Como era direito dos professores do ano letivo de tirarem férias, professores substitutos eram nomeados para lidarem com os alunos repetentes. Para minha sorte, a minha sala foi presenteada por um suplente que cursava filosofia.
Como o mês de recuperação não tinha uma grade curricular rigorosa, tínhamos diversas atividades extra curriculares variadas em sala de aula. Entre elas, a chance de assistir e comentar (tudo guiado pelo professor de filosofia) uma sequência de filmes a serem escolhidos em votação livre pelos alunos. Por lobby entre meus amigos, o Exorcista estava entre os selecionados.
A aclamada versão do diretor lançada em 2000 havia recém checado as locadoras, dois anos após seu lançamento (velho é o teu pai), e o ar de novidade empolgou a todos. Sala escura, projetor na tela e filme rolando. Entre gritos assustados e respiração ofegantes, o filme foi um sucesso quase unânime devido as situações bizarras refletidas na tela. Principalmente as cenas heréticas e sexuais do longa.
A resenha de um geek colegial
Não sei como é a relação da geração atual com esses temas em filmes. Mas mesmo como adolescentes de 14 anos na virada do milênio, ficamos impressionados com uma garota se masturbando com um crucifixo, forçando um sexo oral ensanguentado em sua mãe e dizendo ao padre que sua mãe recém morta “chupava p*rocas no inferno”.
Porém para a minha pobre mente adolescente em busca de emoções, boa parte do primeiro ato do filme me pareceu tedioso. Apenas uma relação chata entre uma mãe solteira e sua filha, e a aventura arrastada de dois padres velhos. As imagens que saíram imprimidas no meu inconsciente eram de uma garota descendo as escadas de costas e vomitando sangue. E tudo antes era apenas um “lenga-lenga” desnecessário, para apresentar os personagens, e eu não poderia estar mais errado.
Falarei agora um pouco do aspecto histórico do filme.
Uma breve história do terror até o Exorcista
Considerando o momento em que vivemos para filmes de terror que temos em ambas as partes: a) franquias blockbusters de terror com narrativas genéricas, porém sucessos absolutos de bilheterias e b) diretores autorais e criativos construindo narrativas complexas e dramáticas dentro do gênero horror. Fica difícil imaginar em que estado estava o gênero quando o Exorcista apareceu.
A princípio, o primeiro grande patamar vencido pelos filmes assustadores pode ser colocado com o expressionismo alemão na década de 20 e 30 (que já comentei nesse post) onde filmes como O Gabinete do Dr. Caligari e Nosferatu colocavam o gênero em evidência e geraram diversos longas dignos de nota. (The Student of Prague, Der Golem, Warning Shadows).
Influenciados por estes, temos a geração de monstros da Universal (Frankenstein, Drácula, Múmia, etc.) e a releitura dos mesmos de forma mais violenta no estúdio inglês Hammer Films. Porém as duas novas ondas do horror, por mais que tenham suas qualidades intrínsecas, nunca tiveram o clamor intelectual que seus progenitores do cinema mudo.
Da mesma forma, devido ao sucesso comercial que a Universal teve com o público médio. O gênero foi replicado até a exaustão de modo que a inevitabilidade da paródia pairou sobre seus personagens. Gerando os infames, porém bem sucedidos, crossovers com os gênios da comédia Abbott e Costello.
Uma nova era psicológica
Em resposta a isto, tivemos uma geração de filmes que abandonavam os monstros do folclore e mitologia e mergulhavam no psicológico de seus protagonistas. O exemplo mais bem sucedido sem dúvida era Psicose de Alfred Hitchcock. Mas temos outros excelentes longas no período que merecem menção, como o “Nightmare” já referido no texto anterior, “City of the Dead” e “House of the Haunted Hill”.
Um dos filmes que talvez possa se dizer ter preparado o terreno para O Exorcista fora “O Bebê de Rosemary” (1968), lançado cinco anos antes, e que contava a história de uma mulher psicologicamente abusada, levada a conceber um bebê de um demônio. Ainda que tenha direção brilhante e uma narrativa intensa, chegando a levar um Oscar de melhor atriz coadjuvante e ser indicado para melhor roteiro adaptado, o filme não chegou a ser nomeado para a categoria de melhor filme como O Exorcista faria em 74.
Bebê de Rosemary manteria a tradição dos filmes de sua década ao focar sua narrativa nos elementos psicológicos da trama. Quase se envergonhando de enrolar na mitologia do culto satânico ou da origem do demônio que geraria o filho em Rosemary. Algo que o Exorcista teria cuidado em fazer já nos primeiros minutos de cena.
O Exorcista pelos olhos críticos da vida adulta
Em primeiro lugar, começamos o filme acompanhando o idoso padre Merrin em uma missão arqueológica no Iraque, onde sua equipe encontra um misterioso ídolo de Pazuzu, uma entidade demoníaca da Suméria responsável pelos ventos sudoeste, que trazem tempestades, pragas e seca. Entidade melhor representada por uma estátua vista pelo próprio padre pouco após o achado. Anunciando um mal presságio.
Numa cena completamente simbólica que passou inteiramente despercebida pela minha entediada mente adolescente. Vemos uma montagem perfeita de uma complexa mitologia que serviria de embate entre o padre e a criatura no final do filme. Todos os estranhos elementos encontrados por Merrin na pequena cidade de Hatra servem de foreshadowing para o desenrolar da trama no futuro.
Pazuzu, um demônio protetor
Ao passo que eu desenvolvi um recém interesse em pesquisar mitologias diversas, acho que vale a pena adicionar essa pequena curiosidade sobre Pazuzu. Ainda que seja reconhecido como uma entidade maligna, o demônio também serve para proteção de uma outra entidade demoníaca babilônica.
Lamashtu era a entidade associada aos abortos instantâneos e a mortalidade infantil na Mesopotâmia. Dessa forma, se usava um amuleto de Pazuzu no pescoço da mulher grávida para protege-la. Além das estátuas de Pazuzu estrategicamente posicionadas para se proteger de outros demônios do vento. Talvez explicando como a equipe de Merrin pôde achar esses resquícios de devoção da divindade no sítio arqueológico.
Dessa forma, sua representação contém elementos bestiais híbridos com cabeça de leão (refletido nos rugidos que Regan dá no filme), asas (levitação), cauda de escorpião e escamas de cobra (essa sendo referenciada pela língua comprida de Regan no filme).
Os blocos narrativos se completam
Com a narrativa agora focada na cidade, acompanhamos um cansado padre Karras que se encontra duvidando de sua fé, e uma mãe solteira que tenta conciliar uma nova vida com a filha longe de um pai ausente e irresponsável. Nesse sentido e sob esse aspecto, é possível identificar uma nova linha narrativa passada despercebida por mim dezoito anos atrás. A possibilidade de que Regan tivesse sido abusada por Burke Dennings, amigo pessoal de sua mãe.
A principal evidência dessa possibilidade se dá pela misteriosa morte de Dennings, arremessado pela janela do quarto de Regan com o pescoço torcido após ser deixado sozinho cuidando da garota. Essa linha narrativa é bastante explorada neste vídeo do canal “Collative Learning” que recomendo bastante assistir.
Rob Ager, dono do canal, é psicólogo e ele levanta todos os sinais comportamentais que indicariam um mecanismo de enfrentamento desenvolvidos por Regan relacionados ao abuso. Entre eles estariam o linguajar chulo, as conotações sexuais de seu comportamento, incontinência urinária, desconfiança em adultos do sexo oposto entre outros.
Respeitem os clássicos!
Nesta segunda assistida, agora a cena final do exorcismo não é de fato o centro das atenções. Mas apenas uma conclusão brilhante para toda a tensão acumulada através da história. Se antes temia pela experiência da garota em meio a todo o terror, hoje sou comovido pelo trágico arco de redenção e heroísmo dos dois padres.
Por fim, qual lição fica dessa história toda? Apenas que, não importa a sua idade. Assista e leia os clássicos! Ainda que você não chegue a contemplar a obra em toda sua excelência. As impressões que ela te passará serão inesquecíveis. Acima de tudo, sempre revisite obras que você admirou em sua juventude, pois um verdadeiro clássico sempre irá dialogar com você de forma diferente, em todas as partes da sua vida.