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Zé do Caixão – O pai do terror nacional

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Ainda é com tristeza que lido com a morte de Zé do Caixão, sua contribuição para o terror nacional é indiscutível. Sendo o primeiro diretor de um filme de terror nacional, teria lutado contra a censura do regime militar e com o moralismo conservador da igreja católica. Onde ambas as instituições dificultaram a vida e mutilaram a obra de José Mojica Marins.

Vamos conhecer um pouco sobre seu principal personagem e contextualizar um pouco a sua atuação.

 

Zé do Caixão e a perversão do nietzschenismo

Para os que conhecem o personagem pela primeira vez, é fácil de imaginar que o personagem tem algum tipo de poder supremo maligno vindo talvez de um pacto demoníaco que o transformou em imortal.

Mas em pouco tempo de filme percebemos que Zé do Caixão é apenas uma pessoa comum, um agente funerário de uma pequena cidade do interior que é bastante cético com as relações de céu e inferno, Deus ou o Diabo.

 

E é dessa certeza cética sobre o imaginário, o místico e o espiritual que o deixava em vantagem sobre a vila. O personagem é acometido por um enorme complexo de superioridade, que com frequência debocha da população por suas crendices desprovidas de razão. A narrativa porém, favorece Zé do Caixão, que age como um ser todo poderoso que, por não se manter preso a moralidade cristã, consegue subverter seus agressores e afrontadores pelo medo.

 

A caracterização de Zé do Caixão é uma perfeita perversão do conceito “Além-Homem” de Nietzsche (irei descrever com melhor precisão esse conceito num próximo texto). Ao subverter toda o código moral vigente e conceber com clareza um mundo sem divindades e planos maiores, Zé do Caixão não se deixa abater pelo niilismo ou pelo vazio existencial. Mas sim, busca eternamente a superação e a vontade de potência. Seria um ótimo herói nietzschiano, se não fosse pelos objetivos que busca almejar.

O vilão protagonista

Zé do Caixão está obcecado em ter um filho homem para “continuar seu legado” e para isso, ignora sua legítima esposa que não pode lhe conceber um filho e cobiça a mulher de seu amigo, chegando a violentá-la após ela negar seus avanços.

Apesar de ser o protagonista de seu filme, em nenhum momento somos levados a pensar que Zé do Caixão não é o vilão da história. Suas atitudes agressivas e mesquinhas, principalmente contra as mulheres da história, deixam bastante claro a repugnância de seu ato.

 

Mas claro, toda vilania do protagonista é punida ao final do filme, onde vemos seu mundo desmoronar por completo. Zé percebe, de forma revolucionária para o cinema brasileiro da época, que o céu e o inferno são de fato realidade. Mas antes de falar sobre o final do filme, é importante contextualizar sua produção com o período e gênero de horror no cinema nacional.

 

O atraso nacional no gênero terror

Entender a importância de Zé do Caixão no cinema nacional é notar a resistência do mercado e das instituições brasileiras para o gênero terror. Não é com pouca estranheza que notamos ser “À Meia-Noite Levarei Sua Alma” em 1964, a estreia do terror no cinema nacional. Num país que havia criado “O Crime dos banhados” em 1914, um filme mudo policial sobre uma terrível chacina no interior do RS.

 

Para efeitos de comparação, no cinema mundial há registros de filmes de terror tão cedo quando se começaram a produzir filmes, como em “Le Manoir du Diable” (1896) e “La Caverne maudite” (1898) ambos de Georges Méliès, ou nas adaptações americanos de clássicos da literatura de terror como O Médico e o Monstro (1908) e Frankenstein (1910).

 

Após isso, diversos movimentos cinematográficos mundiais seriam reconhecidos por trabalhar o horror com primazia. Entre eles o expressionismo alemão, como em Gabinete do Doutor Caligari (1920), Der Golem (1920) e Nosferatu. Monstros da Universal com Drácula (1930), Frankenstein (1931), isso sem mencionar os filmes da produtora inglesa Hammer e os filmes de ficção científica com terror da era atômica (anos 50). Por que demoraria tanto para o Brasil ingressar nesse gênero?

A genialidade de José Mojica no gênero

De qualquer forma, a espera valeu a pena. Ainda que a vestimenta e trejeitos de Zé do Caixão tenha influências de Nosferatu e dos Drácula de Bella Lugosi e Hammer Films, o filme estava na vanguarda do cinema mundial de terror com temas sobrenaturais e satânicos, além de cenas fortes de violência corporal que mais tarde dariam espaço para filmes “trash” ou “gore”.

 

Lançado no ano do golpe militar, Zé do Caixão sofreria constantemente com a censura da igreja católica e dos militares. O que hoje é tomado com certa leveza, a cena em que Zé do Caixão consome carne na sexta feira santa e oferece um pedaço ao padre em uma procissão, escandalizou a comunidade católica no país. 

 

O final do filme também teve de ser alterado. Antes do lançamento, o filme era enviado a um órgão governamental que fazia mudanças caso necessário. O filme só seria lançado se Zé do Caixão, nos últimos minutos, se arrependesse dos seus pecados e pedisse perdão. O final original, hoje perdido, mostrava um Zé do Caixão sendo levado ao inferno ainda incrédulo com o misticismo que o cercava.

A censura em desserviço a arte

Os problemas com a censura iriam apenas piorar nas próximas obras lançadas. Isso afetaria na sua capacidade de arrumar produtores dispostos a financiar os seus filmes. Foi devido a problemas financeiros que José Mojica iria dirigir um pornô chanchada, gênero que, ironicamente, fez bastante sucesso durante o regime militar. 

 

Em “24 horas de sexo explícito”, mais uma comédia erótica que um pornô tradicional, seria inaugurado cenas de bestialismo no cinema nacional. Zé acordou com seu produtor que, caso o filme fizesse sucesso, ele financiaria o filme “Encarnação do Demônio”. Devido a falta de palavra do produtor, o filme só seria lançado anos depois, em 2008.

 

Com a morte de José Mojica Marins, morre um pedaço da história do terror nacional. Porém seus frutos e reconhecimentos são incomensuráveis, e que sua influência no horror nacional possa continuar para todo sempre.

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