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[TRADUÇÃO] Moirai, um jogo perturbador e cancelado

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Moirai, um jogo perturbador e cancelado

Moirai, jogo que oferece um poderoso dilema moral de forma perturbadora, cancelado devido sua comunidade tóxica.

“Tropecei” nesse artigo ao acaso sobre Moirai, um jogo que já tinha ouvido falar antes e certamente não dei a atenção que realmente merecia. Pensei em fazer um artigo sobre o simbolismo e moralidade nele, e ainda farei.

Mas antes, decidi traduzir esse artigo da PC GAMER que explica muito da sua história, narrativa e por que infelizmente o jogo veio a ser retirado do ar. O artigo foi publicado por Shaun Prescott em 13 de Julho de 2017.

Moirai era um dos jogos mais perturbadores do PC e agora acabou para sempre

Uma olhada em um dos mais estranhos experimentos sociais online na memória recente, agora perdido no tempo.

Costumava levar cerca de dez minutos para terminar Moirai. Ao que tudo indica, era um jogo de aventura curto e focado na narrativa – algo pequeno e comum feito em um fim de semana de programação. Mas havia mais do que isso. Havia isso, por exemplo: depois de completá-lo, você nunca mais deveria jogá-lo.

Você poderia jogar Moirai novamente se quisesse, mas seu impacto seria muito reduzido. Algumas pessoas provavelmente fizeram uma segunda tentativa para fazer jus, pois não levaram o jogo a sério o suficiente na primeira vez. Ou jogaram de novo porque queriam testar seus limites ou tirar algo do peito. Estranhamente, havia uma pequena comunidade que realmente jogava Moirai indefinidamente.

Vítima de uma comunidade tóxica

Moirai costumava ser um dos jogos mais estranhos para PC, mas devido a ataques constantes em seu banco de dados – para não mencionar o abuso no jogo – agora se foi para sempre. O designer Chris Johnson anunciou em junho que está retirando o jogo de todos os portais (Steam, Itch.io, GameJolt) devido a um hack de script que inundou o jogo com obscenidades.

Para alguém que nunca jogou Moirai, ou nunca ouviu falar dele, é difícil entender por que um jogo indie pixelado de 10 minutos atrairia esse tipo de atenção, esse nível de trollagem.

Mas funcionou, e as pessoas que jogaram sabem por quê. É porque você poderia, de modo menor mas muito eficaz, definir o jogo para o próximo jogador da fila. Moirai era um “ciclo contínuo de morte”, e cabia a você decidir em que tipo de humor o próximo jogador morreria ou sobreviveria.

A caverna

Já que Moirai se foi para sempre, você terá que me permitir explicar tudo do zero.

Você aparece em um vilareijo pequeno, quadrado e pixelizado. Existem quatro casas de blocos e um punhado de moradores. Os gráficos são uma reminiscência de uma cópia do Minecraft: texturas de baixa resolução, funcional, espartano. Eles são realmente feios, mas de uma forma discreta e caprichosa que o deixa desprevenido e torna o final mais perturbador.

Saia do vilarejo e você se vê em uma fazenda habitada por ovelhas (você poderia matar essas ovelhas, e isso era popular, naturalmente). No extremo noroeste desta fazenda, há um lenhador guardando a entrada de uma caverna.

“Meu irmão e eu estávamos cortando lenha quando ouvimos gemidos vindos da caverna”, explica o lenhador. “Meu irmão foi investigar.”

O lenhador está preocupado: o irmão dele já deveria ter voltado. Inevitavelmente, você entra na caverna com uma lanterna para verificar o que aconteceu. Uma vez na caverna – uma rede de túneis finos e quartos quadrados cavernosos – o irmão do lenhador aparece.

“Os gemidos vêm de baixo”, diz ele. “Eu entraria, mas minha visão não está boa.” O irmão do lenhador lhe dá uma faca. “Quem sabe você possa  precisar.”

Um gameplay simples?

Neste ponto, os jogadores iniciantes podem presumir que eles vão matar demônios ou monstros com a referida faca em um futuro não muito distante. Quem sabe: eles podem até encontrar uma arma! Existem três caminhos a percorrer – esquerda, direita e sempre em frente – e o primeiro problema é decidir qual caminho seguir.

No lado esquerdo há uma sala contendo ossos, aparentemente pertencentes a uma criança, e um buraco na parede com algo brilhante fora de alcance. No túnel direito, há uma sala com vários cincos  em pauzinhos, cruzados e gravados na parede, bem como uma ferramenta com a qual as gravuras foram feitas.

Inevitavelmente, você desce pelo túnel central, porque provavelmente haverá algo para matar lá. E há, é claro: um fazendeiro respingado de sangue. Mas, em vez de reduzi-lo a pó com sua faca patética, você tem a opção de fazer algumas perguntas, deixá-lo passar ou matá-lo. E é aí que o jogo começa a ficar estranho.

Você deve fazer três perguntas ao fazendeiro manchado de sangue: “Por que você tem sangue na roupa?”, e “Por que você tem uma faca? Eu ouvi gemidos, o que você fez?”. Você pode deixar o fazendeiro passar ou pode matá-lo.

Nem tudo é o que parece

A diferença é que a resposta a essas perguntas – as respostas dadas pelo fazendeiro respingado de sangue – são inseridas pela última pessoa a jogar. A gravidade deste momento dependerá de quem jogou o jogo antes de você.

Mais tarde, você vagueia mais pelo caminho central, apenas para encontrar uma mulher moribunda. “Vim aqui para acabar com a minha vida”, diz ela. “Meu nome é Julia e quero ver meu filho e marido no céu.”

Depois de um monólogo, ela pede que você a mate. Você pode escolher matá-la, ou então você pode escolher ir buscar ajuda, mas se você escolher a última opção, ela cospe sangue em você com raiva. Em seu caminho para fora de sua caverna, você é detido por outro fazendeiro, que faz exatamente as mesmas perguntas que você fez anteriormente ao fazendeiro respingado de sangue.

Depois de respondê-las, da maneira que achar melhor, o jogo acabou. “Deixe-me ver o que fazer com você”, encerra o fazendeiro.

Então, mais tarde, você recebe um e-mail. Explicando se o jogador posterior, ao ouvir suas explicações, decidiu ou não poupar a sua vida, bem como se você poupou a vida de seu antecessor.

Por trás das cenas

“Da perspectiva da maioria dos jogadores, quando eles se deparam com a pessoa na caverna pela primeira vez, eles pensam neles como um NPC, não uma pessoa real”, disse o designer da Moirai, Chris Johnson, por telefone. “Acho que há um elemento interessante nisso. Existe uma certa linguagem codificada sobre como as pessoas abordam os jogos, e uma dessas coisas é que a maioria dos personagens com os quais você vai interagir será algo pré-programado, a menos que o jogo seja explicitamente multiplayer. Achei interessante subverter essa expectativa: você não percebe que o outro jogador é na verdade um jogador. Você os vê como um NPC”.

Moirai foi criado por Johnson, Brad Barrett e John Oestmann, como parte do 7DFPS Gamejam de 2013. Não haviam terminado quando a Jam terminou, então o trio terminou ao longo de vários meses em seu próprio tempo. Inspirado por uma peça de teatro experimental e interativa do grupo belga Ontroerend Goed – em particular a segunda parte dessa trilogia intitulada “A Game Of You” (um jogo sobre você) – o jogo não era do tipo que você esperaria atrair muitos jogadores. Muitas pessoas podem recusar a ideia de sequer chamá-lo de “jogo”.

“Não tínhamos certeza do que esperar”, disse Johnson sobre a eventual disseminação viral de Moirai. “Na época não tínhamos lançado algo antes, então não tínhamos o pano de fundo para julgar o quão popular poderia ser, nem o que isso realmente significa. Além disso, sabíamos que isso era diferente e que não poderíamos avaliá-lo sob as condições normais que você avaliaria essas coisas”.

O jogo existiu em relativa paz por um tempo. Quando Johnson postou um post-mortem meses após o primeiro lançamento do jogo em 2013, um total de 1.0581 jogadas renderam alguns resultados interessantes. Enquanto a maioria dos jogadores (cerca de 88%) fizeram todas as três perguntas antes de decidir se deixariam o fazendeiro respingado de sangue passar ou matá-lo, 52% usaram palavras proibidas em seu jogo. Em outras palavras, as pessoas gostavam de ser desagradáveis ​​no jogo. Bastante.

A fama e os problemas

Isso foi naturalmente exacerbado quando Moirai foi lançado no Steam em 2016. Ele encontrou um público maior do que nunca, ainda que Johnson tenha parado de fazer estatísticas porque precisava limpar o banco de dados regularmente para evitar sobrecarga dos servidores.

“Fiquei surpreso com isso”, disse Johnson sobre o excesso de entradas tóxicas. “Acho que fui um pouco ingênuo. Parte do problema era que o segredo do jogo era conhecido por muita gente – tínhamos gente como YouTuber Markiplier para jogá-lo – e era muito popular no YouTube. As pessoas iam lá e fingiam ser Markiplier, ou apenas postavam coisas horríveis.

“Parte disso acontece porque é um jogo gratuito e muitas pessoas que o jogam são crianças”, concluiu Johnson. “O outro lado disso é que o que acontece naturalmente, onde pessoas querem ultrapassar os limites das regras. Assim que você iniciar o Mario, você quer ver até onde ele consegue pular. Em alguns aspectos, [ser ofensivo] é o equivalente para Moirai. [As pessoas perguntam] ‘se este jogo é real e sério, e a promessa é que eu posso entrar no que eu quiser, então vou colocar um monte de palavrões lá e ver se tenho permissão para fazer isso’. ”

O meta jogo de Moirai

Frequentemente as pessoas presumiam que o objetivo do jogo era memorizar e repetir tudo o que a última pessoa havia digitado, ou seja, tudo o que o fazendeiro respingado de sangue havia dito minutos antes. Onde não há regras centradas no jogo rígidas ou familiares, um jogador às vezes tenta fazer as suas próprias.

Outros transformariam o jogo em si mesmo, criando um meta-jogo totalmente novo dentro do jogo. “Por exemplo, houve um jogador que disse ‘se você gosta de PlayStation, me mate, se você gosta de Xbox, deixe-me passar’”, lembra Johnson.

“Ou houve algumas pessoas que, depois de perceberem o que estava acontecendo, foram realmente inteligentes e adicionaram elementos adicionais à história. Essa criatividade também foi muito interessante. ”

A toxidade em Moirai

Claro, muitos o usaram para distribuir comentários tóxicos, racistas e odiosos para quem teve o azar de jogar depois deles. Johnson não era indiferente a nada disso. Os e-mails enviados por Moirai para cada jogador tinham uma resposta, direcionada diretamente para a conta de e-mail pessoal de Johnson, então ele costumava receber e-mails de jogadores sem saber que alguém estaria no lado receptor.

“Às vezes as pessoas agradecem muito pelo jogo”, disse Johnson. “Eu recebia de cinco a dez e-mails por semana assim. Mas às vezes eu recebia respostas horríveis de volta. Alguém pode escrever de volta ‘bicha bicha bicha’. E é isso – é terrível dizer, mas em muitos casos são crianças. ”

Como Johnson tinha experiência em ensino e sentia alguma responsabilidade em elucidar esses malfeitores, ele passava a maior parte de seu longo trajeto de ônibus de ida e volta para o trabalho respondendo aos e-mails tóxicos em seu laptop. “[Eu dizia a eles] sou, na verdade, o desenvolvedor do jogo”, disse Johnson, “e não o jogador anterior. Eu diria a eles que não acho que seja uma maneira apropriada de responder.

“E a pessoa que respondia diria:‘ ah, não pensei que alguém fosse receber isso ’.” Eles pensaram que estavam apenas xingando ao vazio.

O fim

No final de junho, Johnson postou no Steam que o jogo estava chegando ao fim.“

Desde o lançamento no Steam, nosso banco de dados recebeu vários ataques. Trabalhamos muito (e às vezes com o apoio de membros da comunidade) para atualizar nosso sistema para um estado mais gerenciável e minimizar a probabilidade de ataques”.

Ele continuou: “No entanto, recentemente nosso banco de dados estava sob um ataque repetível que arruinou a experiência de jogo para alguns jogadores e resultou no seu desligamento. É importante que você saiba que nenhum dado de e-mail foi comprometido neste ataque. No entanto, esta vulnerabilidade significa que estamos sujeitos a ataques futuros. Não somos um grande estúdio e não temos os recursos para prevenir adequadamente contra esses ataques, então vamos retirar o jogo da loja”.

Moirai se conecta diretamente a um banco de dados que armazena as respostas do jogador. A partir desse banco de dados, o jogo recupera apenas os dados necessários para uma jogada, ou seja, as respostas do último jogador e os nomes fornecidos dos últimos cinco jogadores. Um usuário escreveu um script que inseria registros continuamente neste banco de dados, não apenas tornando o jogo impossível de jogar – todas as respostas dentro desse período seriam as mesmas – mas também travando o banco de dados.

Johnson sabe como impedir que isso aconteça, mas não tem tempo, dinheiro ou recursos. As pessoas responsáveis pelo ataque posteriormente enviou uma mensagem a Johnson na Steam, o que levou a uma longa conversa. Quando questionados por que eles sobrecarregaram o banco de dados, eles simplesmente responderam “Por que eu achei engraçado.”

“Só pela zoeira, né?” Johnson respondeu.

“Pode apostar, cara”, o hacker respondeu.

Mais tarde, Johnson perguntou aos hackers o que eles achavam do jogo. “Achei interessante e que a câmera e a neblina deixavam tudo assustador”, responderam eles. “O posicionamento da câmera, a velocidade lenta do jogador, faz você se sentir vulnerável.”

Buscando outra solução

Chris fez um esforço para explorar opções melhores do que derrubar o jogo permanentemente. “Entrei em contato com a Valve há uma semana para retirar o jogo e explorar possíveis ações a serem tomadas contra o invasor”, ele escreveu para mim em um e-mail de acompanhamento. “O jogo foi desativado com razoável rapidez, no entanto, não ouvi uma palavra deles em resposta ao invasor.”

No geral, ele está desapontado, mas não muito abalado. Ele pretende ajudar a construir uma versão offline do jogo para ajudar os speedrunners, mas não será projetada para o jogo normal. “É decepcionante, mas me sinto bem com isso”, disse ele.

“A resposta dos jogadores excedeu completamente as nossas expectativas, por isso estamos bastante contentes. A demonstração de apoio que recebemos da comunidade após anunciar a aposentadoria dos jogos foi muito encorajadora. ”

É um destino interessante – embora decepcionante – para um jogo que testou a maneira como nos envolvemos moralmente com o que jogamos. Frequentemente, a moralidade nos jogos é estatística: faça um certo número de coisas boas e ruins e obtenha o resultado correspondente.

A moralidade nos jogos digitais

Enquanto isso, a moral geralmente é demonstrada como parte de uma narrativa, não como parte de um sistema. Quando a moral está ligada à narrativa, o criador do jogo geralmente descreve, ensina ou prescreve uma moral de alguma forma.

Isso não era verdade em Moirai. Na verdade, apenas forçou você a se avaliar: como você se comporta quando acha que ninguém está ouvindo. Ele testou sua reação a alguns dilemas morais cabeludos e também, secretamente no início, testando se você pode reagir sem ser um idiota. (Isso sou eu sendo moralista, desculpe).

“Normalmente, no ponto em que as pessoas estão digitando algo … espero que eles tenham percebido o que está acontecendo”, disse Johnson. “Nesse ponto, muitas pessoas podem refletir sobre sua decisão anterior de deixar alguém passar e pensar ‘bem, na verdade, as escolhas que estou fazendo aqui são importantes’, na medida em que realmente importam em um jogo. Ou, pelo menos, [as decisões] têm mais impacto do que se pensava inicialmente.

“Mas também há esse outro aspecto do jogador, esperançosamente, percebendo que o que quer que escrevam no jogo, eles ainda estão meio impotentes para influenciar a resposta dos outros jogadores. O próximo jogador, que chega mais tarde para decidir seu destino. Existe uma espécie de vulnerabilidade aí.”

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