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Aqua Teen: A vitória da dublagem brasileira

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Aqua Teen: A vitória da dublagem brasileira

Dublagem original ou brasileira? Tratando-se desse desenho nonsensce sobre um grupo fast food de super heróis, a resposta é óbvia. Entenda como Aqua Teen Hunger Force é a prova incontestável da vitória da dublagem brasileira.

Aqua Teen Hunger Force, o que é?

Aqua Teen Hunger Force foi um dos variados quadros de comédia do “Adult Swin”. Bloco de programações do Cartoon Network americano focado em animações mais adultas e impróprias para menores de idade. Mais do que apenas uma licença para falar palavrões e explorar sexualidade, Adult Swin era uma chance para animadores explorarem desenhos mais alternativos e experimentais.

E experimental é uma definição precisa para a série animada. Nela, temos três personagens principais: Batatão, um pacote de batatas com poderes mentais e líder do grupo. Almôndega, um bolinho de carne meigo e inocente e Mestre Shake, o caótico e desmiolado do trio. A única pessoa razoavelmente normal do elenco é o vizinho obeso de meia idade chamado Carl.

História

O desenho não tinha um tema recorrente, seu piloto deixa a entender que seria uma série sobre super heróis resolvendo mistérios. Razoavelmente associados há um cientista maluco que aparece apenas na introdução de cada episódio.

Mas rapidamente a animação seguiria seu próprio caminho, tendo uma aventura única e desmiolada em cada episódio, com personagens que retornam com alguma frequência. Os temas variavam de fantasia, ficção científica e até terror.

Dublagem Brasileira

Vou ser honesto por um minuto aqui. Eu sou daqueles esnobes que destratam a dublagem brasileira. Nada contra o trabalho excelente de pessoas como Guilherme Briggs, Isaac Bardavid, Márcio Seixas, entre outros. Mas considero que toda obra artística e narrativa deve ser apreciada em sua forma original. Porém Aqua Teen é a exceção que fortalece a regra.

Ainda que composto por um time de dubladores nacionais de dar inveja a qualquer projeto, a característica aleatória do desenho parece não garantir uma segurança ao desenho. Talvez por isso, o time de dubladores teve completa liberdade para trabalhar os personagens da forma como quisessem.

Sotaques regionalistas, referências a locais e costumes brasileiros, gírias usadas nos fóruns da internet do começo de 2001. Aqua Teen parecia um desenho brasileiro que, por ocasião, tinha sido desenhado com um storyboard americano.

A dublagem americana

Até boa parte da minha vida, eu me dei por garantido que a mesma qualidade da dublagem brasileira era refletida pelo time americano. Até o momento que pesquisei episódios que não tinham sido lançados no Brasil, além do filme que teve o mesmo destino. E pude ver o abismo da qualidade.

Entonação, energia, timing… a atuação como um todo! Era notável a diferença entre as duas mídias. Algumas piadas que eram despejadas sem esforço no original americano eram entregues com toda energia pelo time de brasileiros, e apenas demonstrando diretamente essa diferença que poderei melhor esclarecer isso.

O fantasma do natal passado

Antes de mais nada para fazer essa comparação, escolhi um dos meus episódios favoritos. Deitado em sua cama, Carl recebe a visita de um fantasma cibernético do natal passado, relembrando como foi a dura infância do amargurado Carl, numa clara paródia ao Conto de Natal de Charles Dickens. Só há um problema, o robô fez a visita em fevereiro.

Logo depois no decorrer do curto episódio, vemos o robô se atrapalhar cada vez mais em sua missão. Se confundindo com seus intermináveis flashbacks históricos sobre um natal inventando que confundem todos os personagens. Além disso, o episódio ainda conta com a participação especial de Danzig, ex-vocalista da banda de horror punk Mistfits.

Análise das falas

De antemão para refrescar a memória (e ter um ponto de referência), assista o vídeo que eu mesmo organizei comparando os melhores momentos do episódio nas vozes americanas e brasileiras.

Primeira cena:

Antes de tudo já na primeira frase do original, vemos um tímido robô clamando por Carl em um modesto “fat man, arise”. Por outro lado compare isso ao energético chamado: “LEVANTA, SEU BUNDÃO” vociferado por Márcio Seixas, que dá a voz ao robô na versão nacional.

Mauro Ramos, famoso por dublar Pumba e Shrek, cai como uma luva no pobre Carl, que acorda gritando assustado com a visita inesperada.

Segunda cena:

Logo depois na próxima cena vemos uma das minhas interações favoritas da série. Se antes tínhamos Seu Madruga e Quico, Mussum e Zacarias, nessa época tivemos Carl e Mestre Shake. Ou melhor, Mauro Ramos e Alexandre Moreno.

A ansiedade de Carl ao ver Shake e pressentir más notícias é muito melhor trabalhada na versão brasileira, onde um energético shake manda um “FICA FRIO, CACETA” para um desesperado Carl. Ramos tem também sua competência valorizada no alcance de tom entre “É SÉRIO PRA C*****” e “o que é isso?”. Como resultado a conclusão da cena é coroada por um shade do robô que, no original, não tem a mesma vibe sarcástica.

Terceira cena e quarta cena:

Um grande exemplo de localização. Os “snacks” americanos viram o “angu do gomes”. Além da gíria “pederasta” que só quem viveu a era da internet no começo dos anos 2000 sabe o que aconteceu. Mesmo a história maçante e interminável do robô parece interessante sob a voz emocionada de Seixas no controle do robô.

“Get drunk” (ficar bêbado) vira um “tomar um traçado para melhorar o entendimento. A confusão do robô parece mais sincera com Seixas, e a frustração do inocente almôndega é muito mais convincente do que a leve confusão em sua faceta yankee.

Quinta cena:

Um alcoolizado Carlton acorda para descobrir que para tirar a maldição da sua casa, ele deve se entregar sexualmente para o grande macaco vermelho. Na transição, vemos um narrador americano dizendo desanimado que o Carl não deveria vender uma casa com sangue. Compare com a versão radialista brasileira perguntando “como que tu me vende uma casa de chico?”

Sexta cena:

Definitivamente agora temos o momento de ouro, onde somos apresentados a Danzig, dublado respeitosamente pelo próprio cantor na versão original. Por outro lado, em sua versão nacional, temos Peterson. Nome do dublador brasileiro que o encarnou.

Talvez por contar com a própria estrela em seu estúdio, as piadas com Danzig foram adestradas. Coisa que não foi respeitada na sua versão brasileira. A gíria local e o interesse de Peterson pelo estoque de sangue de gnomo: “Falae simpatia, quanto tempo dura esse sangue”.

Da mesma forma com a negociação avançando, vemos Carl se empolgar em: “é muito bom né? Sangue na parede, e sangue de gnomo, que valoriza o imóvel”. Sua proposta absurda pela casa com a resposta certeira de danz… Peterson! Com “te dou o borrachudo amanhã” só merece um “É SUJEITO HOMEM”. Sua versão insegura americana só resta agradecer a Deus por seu patético pedido ter sido atendido.

Última Cena:

Por fim com o episódio chegando ao final, vemos a tentativa de Master Shake de tentar convencer o jovem Peterson, aka “cabelinho” de vender também sua própria casa com sua “CoOozinhA AsSsomBrAaDaAa…” Não sem antes elogiar os “peito bunito” do jovem roqueiro.

A comparação do combo de xingamentos entre Danzig, frio e calculista, com Peterson apenas disparando insultos sem respirar, chega a ser desonesta. As palavras que escorregam pela boca “descartável” de Shake simbolizam bem a cena. “Tá certo, dixxculpa… …pitibicha”.

Conclusão

Em síntese a equipe de dublagem brasileira de Aqua Teen deu um banho de talento na sua versão original. E nem diria que é tanto culpa deles assim. Mas a competição com profissionais brasileiros de alto calibre, com liberdade criativa para se divertir, certamente nos proporcionou a melhor experiência para o desenho.

Em conclusão, se você ainda tem dúvida sobre a liberdade de criação e paixão dos dubladores pelo projeto. Vejam esse pequeno recado deles para a comunidade do Orkut (sim, esse vídeo é antigo assim) da série animada:

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