Esse artigo é uma continuação do texto que escrevi semana passada chamado “Porque Lisa é a melhor personagem de Simpsons”, que mostra através da análise de episódios chave onde ela é o destaque, como ela fora melhor trabalhada nas primeiras temporadas da era de ouro de Os Simpsons (temporadas 1 até 9). Se você não leu, clica aqui e dá uma conferida, que tá bem legal!
Bem, nesse segundo artigo irei fazer o caminho exatamente o contrário, mostrando como foi a lenta decadência da personagem de uma criança incrível com vontade de aprender e a dificuldade de ser compreendida num mundo que brinda a ignorância, para uma militante radical e mimada, obcecada em ser a melhor que todos.
Um cavalo para Lisa (Lisa’s Pony) – 3º Temporada
Irei começar por um dos últimos realmente bons episódios de Lisa desse período. Esse é um caso quase completamente contrário do último episódio que revisei semana passada. A comparação entre os dois é ainda mais hilária ao serem colocados na mesma temporada e, pode se dizer, que o Homer é o protagonista desta vez.
No dia de apresentação da Lisa no show de talentos da escola, ela fica sem a paleta do saxofone e pede encarecidamente para Homer comprá-la no caminho do trabalho para a escola, que acaba se atrasando e arruinando a apresentação da sua filha.
Devido a mais essa quebra de confiança, a garota se ressente completamente do pai que, num momento raro de reflexão, resolve comprar o pônei que a garota sempre queria. “você estava certa sobre a saída mais fácil, Margie”. Porém devido aos gastos com o animal, Homer tem de assumir um segundo emprego a noite para pagar as contas.
Diversas influências culturais
O episódio se inicia com uma sátira de 2001: Uma Odisséia no Espaço, faz paródia também a cena do cavalo em Poderoso Chefão. Na sequência de sono ao volante de Homer, o estilo da animação é uma homenagem aos quadrinhos “Little Nemo” publicados em jornais do século XIX, com música dos Beatles inspiradas em uma canção de ninar.
No show de talentos, um garoto é expulso do palco ao cantar uma versão ranhenta de “My Ding a Ling” de Chuck Berry que também fora censurado nas rádios pelo som nasal da música. Acho que é o episódio com mais referências culturais.
Este é o primeiro episódio a lidar com Lisa com a seriedade que ela demanda, ao empurrar para ela a decisão de abrir mão de seu pônei em nome da saúde de seu pai. Também mostra como Lisa em toda sua intelectualidade desprendida, ainda tem ambições supérfluas como um pônei. Pena que daqui pra frente, essa imagem iria se fragmentar.
Lisa a Rainha da Beleza (Lisa the Beauty Queen) – 4º Temporada
Mais uma vez vemos um episódio de dinâmica entre Homer e Lisa onde vemos um sacrifício autoinfligido do pai em nome de sua filha. Porém dessa vez a origem do problema com a Lisa não é culpa de Homer, mas sim da própria insegurança de Lisa com sua própria imagem por se sentir feia após ser desenhada por um cartunista de caricaturas na feira da escola.
Nenhuma das provas de carinho de Homer por sua filha parecem surtir efeito, então Homer toma a brilhante ideia de colocar a criança num concurso de beleza infantil, aumentando ainda mais a insegurança de Lisa com seu corpo. Após uma campanha onde aposta em sua personalidade, Lisa fica em segundo e acaba assumindo o primeiro lugar após um acidente com a vencedora anterior.
Porém ao ser obrigada a apoiar a empresa de cigarro que financia o concurso, Lisa acaba se voltando contra a empresa e usa sua fama justamente para combater a empresa e para acusar a corrupção do governo de Springfield.
As duas entidades organizam um comitê que desbanca a candidatura de Lisa através de um erro de Homer no cadastro. Essa imagem militante da Lisa que aparece aqui irá crescer e tomar conta de todos os outros aspectos de sua personalidade.
Lisa e a Boneca Falante (Lisa vs. Malibu Stacy) – 5º Temporada
Ainda que este episódio novamente mostre a Lisa militante pedante que mais tarde se tornaria tão irritante, ouso dizer que este soube balancear bastante sua militância e fez a personagem se esforçar por conta própria para realizar algo.
Incomodada com o teor altamente machista das falas da primeira boneca falante da Malibu Stacy, Lisa tenta primeiro convencer as pessoas próximas de si sobre o teor tóxico dessas falas e posteriormente busca a mulher que criou a marca e para fazer um boneca rival com falar mais politicamente corretas e empoderadas que parece fazer um sucesso em seu lançamento.
Infelizmente a mega empresa lança uma nova unidade promocional com um chapéu novo que rouba completamente a atenção deixando Lisa arrasada. O episódio não tem medo de mostrar que as vezes nossos sonhos são arrasados por pessoas mais poderosas que nós, mas que devemos nos alegrar pelo que pudemos fazer.
Rival de Lisa (Lisa’s Rival) – 6 Temporada
Neste episódio já podemos ver uma atitude mais mesquinha de Lisa, ao ser confrontada por uma criança prodígio em sua mesma sala, porém um ano mais nova. A nova garota parece melhor que Lisa em tudo o que ela é e isso gera uma crise de identidade na garota, além de um profundo sentimento de inveja.
Ao invés de Lisa se aproximar da garota como uma amiga, não que ela não tenha tentado se frustrado com o resultado, a personagem começa a alimentar uma rivalidade não saudável com sua nemesis unilateral que acaba levando a sabotagem de um trabalho escolar.
Numa brilhante referência a meu conto favorito de Edgar Allan Poe chamado “O Coração Delator”, Lisa troca o diorama homenageando o mesmíssimo conto feito por Allison e o troca por um coração suíno. Porém o barulho do artefato original pulsando no sótão acaba levando-a loucura e confessando seu crime, assim como no conto de Poe.
Lisa, a Vegetariana (Lisa the Vegetarian) 7º Temporada
É neste episódio que Lisa chega no ápice da militância insuportável que hoje é tão comum na internet. Após uma crise de consciência ao relacionar a consumo de carne ao sofrimento animal, Lisa é bombardeada por propaganda e influência a favor do consumo da carne. Se revolta e acaba intolerante a qualquer pessoa que não se torne também vegetariana.
Sua motivação anti carne a faz decidir fraudar deliberadamente o churrasco que seu pai havia organizado para toda a vizinhança. A personagem só contornaria sua atitude após aprender com Apu e Paul McCartney que é importante ter seus próprios ideais, mas que devemos respeitar as escolhas dos outros.
O episódio encerra com Homer reconhecendo novamente que é um mal pai e com Lisa pedindo desculpas por arruinar tudo. “Tudo bem Lisa, eu também acreditava em coisas quando era criança.
A queda livre da personagem
Ainda que muitos elementos que fizeram a fama negativa da personagem aparecer nesses episódios, sempre há um balanço, uma lição a ser aprendida que traz alguma redenção a Lisa como personagem. Mas conforme as temporadas forem aumentando, a personagem se tornaria cada vez mais antipática, pedante, esnobe e arrogante.
Os episódios que circulavam em torno dela ficariam também mais redundantes e repetitivos, sem adicionar nada novo ao que já fora construído antes e melhor. Tudo iria culminar no terrível episódio “Lisa Goes Gaga” que tenta falar sobre crianças se sentirem bem consigo mesmas, mas parece apenas uma publicidade gratuita da cantora.
Mas claro, vocês não esperavam que eu ia terminar esse artigo de forma tão triste e desoladora, não é mesmo? Felizmente tivemos uma “despedida” digna de Lisa em um episódio que ela é o foco onde sua narrativa é maravilhosamente trabalhada.
Verão Quente (Summer of 4 Ft. 2) 7º Temporada
Ned Flanders fica impossibilitado de viajar com a família para sua casa na praia e oferece o passeio a Homer. Lisa vê essa oportunidade de uma vida na nova cidade para mudar completamente a imagem que tem de si mesma. Arrumando novos amigos com um visual menos nerd e mais aventureiro e rebelde.
O plano funciona e Lisa consegue fazer amigos novos, ainda que ocasionalmente ela deixa escapar sua inteligência e conhecimento. Bart se sente enciumado pela atenção e planeja estragar tudo mostrando para os novos amigos de Lisa o quanto impopular e nerd ela é na sua cidade local. Ainda que inicialmente assustados pela falta de honestidade de Lisa, eles acabam aprovando sua amizade em nome dos bons momentos que passaram e das coisas que ela ensinou.
Verão Quente mostra que é possível vencer a barreira da popularidade não fingindo ser quem você é. Mas tendo a autoconfiança necessária e buscando agir da melhor forma possível com as pessoas, sem esquecer o que te faz ser você.
Conclusão
Espero que tenham gostado das análises destes episódios e dessa aventura pela personalidade de Lisa Simpson. Muito do que pesquisei aqui se deve ao canal “TheRealJims” que faz um trabalho incrível sobre os Simpsons, e eu recomendo fortemente seu canal para quem é fã da série assim como eu.
