Em que se baseia o imaginário dos jogos digitais? Em quais fontes são baseadas essa construção poética do imaginário? São essas pergunta que esse precioso livro tenta responder. Baseado em sua tese de mestrado, Flávia Gasi faz uma preciosa leitura dos jogos como mídia e elabora todo um estudo semiótico curatorial de representação simbólica nos jogos digitais.
Para meu trabalho, a definição precisa de narrativa e do que representa o jogo como mídia é de extrema necessidade, então busquei nessa obra esse tipo de solo fértil para teorização. Porém se você é estudante de comunicação e semiótica e tem interesse na construção do imaginário nos jogos digitais e seu estabelecimento como mídia, esse é um livro que não te pode faltar.
GASI, Flávia. Videogames e Mitologia: A poética do imaginário e dos mitos gregos nos jogos eletrônicos. São Paulo: Marsupial Editora, 2013.
Resumo:
O livro se divide em três capítulos, uma introdução e uma excelente nota introdutória feita por Lucia Leão. Na nota temos um divertido jogo de palavras que ela usa para associar o trabalho curatorial de Flávia Gasi com a tapeçaria de Penélope, esposa de Ulisses e personagem do épico Odisséia.
Na introdução temos uma definição clara que quais serão os cortes temáticos que serão abordados para a pesquisa construída na obra e como se faz o diálogo entre jogo e jogador.
No primeiro capítulo, a autora faz uma leitura do que é considerado a cybercultura em suas definições mais amplas, e como a linguagem midiática evoluiu do cinema para os jogos, incorporando o espectador como agente de mudança e interatividade na história. Depois definindo o conceito do imaginário tomando como base as pesquisas de Bachelard e Maffesoli, fazendo ligação com o estabelecido do arquétipo junguiano.
No segundo capítulo, Gasi trabalha detalhadamente a ideia de narrativas ludológicas e como os jogos digitais trabalham essa nova visão de narrativa interativa para a construção da linguagem e imaginário próprio dos games. Também faz um ensaio do que deve ser considerado no momento de análise de um jogo, como a criação em rede própria da obra. Finalizando com alguns exemplos de figuras simbólicas usadas em jogos digitais, como o arquétipo do anjo castigador em Silent Hill 2.
Finalmente no terceiro capítulo, com todo o material de trabalho já muito bem especificado, Flávia Gasi faz o estudo detalhado de como os jogos utilizam do imaginário dos mitos gregos para a construção de um imaginário próprio. Utilizando o modelo auto proposto de análise curatorial, a autora passeia por diversos jogos de gêneros distintos onde a única ligação entre eles é a temática do trabalho.
Muito bem, para a minha pesquisa eu precisava de uma detalhação firme dos jogos digitais como mídia, e é nisso que esse fichamento está focado. Vamos então a eles.
Fichamento:
A Tapeçaria de Penélope ou o videogame como experiência estética – Lucia Leão
O livro se inicia com uma introdução escrita por Lucia Leão, no qual usa do imaginário da história da tapeçaria de penélope para fazer uma correlação com o trabalho de Gasi na construção do imaginário poético e mitológico dos jogos digitais.
No história, Penélope é a esposa de Ulisses que, desaparecido há anos, se vê obrigada a escolher um marido em meio a diversos pretendentes. Ela então promete que irá se comprometer com alguém assim que terminar de fiar sua tapeçaria, a qual sabiamente a desfiar quando chega a noite, fazendo seu trabalho um processo infinito.
A correlação entre o trabalho de Gasi e o mito é que o trabalho de busca por um imaginário poético único aos games não é para estabelecer um mapeamento sólido da ideia mas sim:
(…) o sentido da cartografia tipológica dos games está para o leitor assim como o tabuleiro de um jogo está para o jogador. Ou seja, sua categorização é muito mais a construção de uma base. um pano de fundo que permite o desenvolvimento de um pensamento a respeito do imaginário. (LEÃO in GASI, Flávia. 2013. pg. 7).
Introdução
Flávia Gasi inicia a introdução propondo recortes temáticos para o seu trabalho de pesquisa sendo 1) uma proposta de recorte curatorial, analisando o processo das obras em criar um imaginário, e 2) um recorte mitológico, focado na mitologia grega e de que forma ela é traduzida para a narrativa ludológica dos jogos digitais.
Gasi então esclarece que o diálogo entre jogador e jogo é subjetivo, existindo diversas formas de abordar essa relação. Logo ela coloca em pauta a disputa teórica na análise dos jogos por sua narrativa (narratologia), por suas mecânicas (ludologia) ou, pela abordagem que ela adotou, como uma terceira via, que será melhor esclarecida no segundo capítulo.
Capítulo 1 – A Poética do Imaginário dos Videogames
Sobre ciberspaço, Gasi define:
O ciberespaço é uma trama de natureza tríplice, em que estão dialogando a máquina, a pessoa e o espaço. Nessa semiose, o indivíduo que se lança ao ciberespaço não somente é redefinido por ele como também o altera, já que ambos estão em um processo irreversível. (GASI, 2013, pg. 14).
Gasi aponta nesse parágrafo, a ligação direta do ciberespaço com o hábito do jogo, ligação essa tão intrínseca que, como depois aponta, a noção de ciberespaço criada pelo escritor de ficção científica Willian Gibson, foi considerada a partir da experiência do jogo, não da internet, segundo ele mesmo cita.
A autora esclarece a visão de Peter Weibel em O Mundo como Interface onde o mesmo aponta as 8 mudanças que a imagem passou, sendo:
1) invenção da fotografia
2) cultura telemática (pela descoberta das ondas eletromagnéticas)
3) o filme
4) a televisão
5) o filme (como gravação magnética de sinais visuais
6) o computador
7) a telerobótica e telepresença
8) a futura tecnologia de ligar o cérebro diretamente ao mundo digital.
Capitulo 2 – O processo de criação de videogames como narrativas ludológicas
2.1 A questão do olhar para o videogame e a base teórica: Entre a narratologia e ludologia
Nesse capítulo, Gasi demonstra que os jogos digitais são estudados como mídia, e retomando o que foi discutido na introdução, apresenta uma possibilidade de terceira via entre narratologia e ludologia, de início, demonstrando como que um jogo focado na narrativa ainda depende de alguma mecânica de interatividade, e de como o jogo, por mais simples que seja, depende de uma narrativa para sua representação.
Desenvolvendo o pensamento, Gasi usa uma citação de Janet Murray para discorrer sobre o caráter ludológico da narrativa por si. A seguir a autora contextualiza a narrativa de jogo que são formadas por hipertextos, a saber, uma narrativa dinâmica não linear que ruma outros caminhos conforme as escolhas do autor. Desacreditando quem considera que interatividade e narrativa não se encontram.
Usando como exemplos Mass Effect e Heavy Rain, a autora demonstra como que a interação do jogador com o avatar no jogo abre margens tanto para a criação narrativa como o funcionamento de um jogo, e é pelas escolhas e interações que o jogo se expressa como obra, onde: “é impossível um olhar para o jogo digital que não esteja imbuído da noção de criação processual” (GASI, 2013, pg. 44).
2.2 O processo criativo dos jogos digitais e as suas passagens: uma visão ontológica do videogame
A autora aponta como que o estudo sobre jogos digitais deve ser feito de maneira holistica, a saber, considerando o todo e não interpretando apenas por partes. Através de uma citação de Leão e Salles, ela delimita que dois modos distindos de pesquisa de mídia, o acompanhamento crítico dos processos criativos e crítica pela expressividade midiática. Esclarecendo em outra citação das mesmas autoras que guia sua própria pesquisa num modelo de corte curatorial, ou seja, analisando diversas obras sobre um mesmo eixo reflexivo.
Dito isso, Gasi busca esclarecer quais são os processos criativos para um jogo digital como mídia, sendo importante uma visão ontológica dos dois universos, o do aparato técnico (software, máquina) quanto criativo (criação de mundos e personagens) e que ambos devem se encaixar a narrativa e mecânica proposta para o jogo.
Sobre a mescla entre narrativa e mecânica e o papel da máquina na criação do jogo, Gasi diz:
Mais importante do que isso é compreender que tanto a parcela narrativa do jogo digital quanto a parcela ludológica devem interagir entre si – ou seja, ludologia e narrativa devem criar uma semiose. Pensar em termos de interação nos leva a concluir que a máquina não cria o jogo, somente fornece as condições para que ele acontece. (GASI, 2013, pg. 46)
Mais a frente, a autora discute a ideia de autoria dos jogos digitais que, por sua natureza, é criada de forma conjunta, em rede. Citando exemplos como Metal Gear e Mario Bros, que tem criadores mundialmente famosos (Kojima e Miyamoto) a autora ressalta que mesmo nestes, sabemos que a criação foi em rede. Um jogo que reflete melhor essa posição é Chrono Trigger, onde seus fãs reconhecem tanto Toriyama, Hori e Sakaguchi como criadores da série.
Tratando da limitação técnica em conjunto com a criação do imaginário, a autora usa o exemplo de Space Invaders, que mudou sua representação gráfica mais realista para uma baseada na ficção científica, por causa do movimento dos personagens na tela não parecerem naturais. Linkando com a iconografia destacada de Mario, que tem sua forma específica (macacão e bigode) para poder se destacar como personagem mesmo com a limitação gráfica de poucos pixels e cores na tela.
A autora então toma tempo para analisar o nascimento dos MUDs (multi user dungeon) e demonstrar que seria esse gênero a primeira experimentação narrativa interativa completamente livre, porém estabelecida num mundo digital com regras próprias. Assim a autora encerra o capítulo comentando que o imaginário dos jogos digitais é construído além da ludologia e da narrativa, mas amalgamadas em seu processo criativo.
Conclusão
Como eu precisei de uma definição precisa do que eram narrativas ludológicas, meu trabalho de pesquisa para esse livro se encerra aqui. Mas para qualquer pessoa que tenha curiosidade sobre como os jogos evocam o imaginário da mitologia grega para construir sua própria linguagem, eu recomendo sem dúvida nenhuma que leiam essa importante obra.
Muito do que o livro propões é discutido no capítulo final chamado: As passagens do imaginário e dos mitos gregos no videogame, que toma de análise grandes jogos como a trilogia do God of War, Bioshock e Silent Hill 2 e comparam sua estrutura simbólica com o que foi emprestado da mitologia para construção do seu próprio imaginário.