É possível “esconder” escolhas morais na mecânica de jogos digitais? Entenda como essa técnica pode incrementar a experiência e complexidade de um videogame.
Escolhas morais na mecânica de jogos digitais
Jogos digitais tem o poder único de além de se expressar pela narrativa e ambientação, também poder adicionar camadas narrativas na própria mecânica do jogo. Alguns jogos fazem isso bem enquanto outros prometem esse tipo de imersão e acabam não alcançando o resultado desejado. Cito aqui três experimentos em jogos digitais que foram muito bem sucedidos.
O dilema do Bonde
Antes gostaria de começar com um exemplo clássico de exercício de pensamento sob uma escolha moral para ambientar melhor a discussão. Proposto inicialmente por Philippa Foot e ampliado e diversificado incansavelmente por diversos pensadores (e alvo de piadas cômicas na internet) a base do “dilema do bonde” geralmente se resume em:
“Um bonde está fora de controle em uma estrada. Em seu caminho, cinco pessoas amarradas na pista por um filósofo malvado. Felizmente, é possível apertar um botão que encaminhará o bonde para um percurso diferente, mas ali, por desgraça, se encontra outra pessoa também atada. Deveria apertar-se o botão?”
Para os filósofos utilitaristas, o cálculo do menor sofrimento humano deve ser apertar o botão e poupar o número de vítimas, outros acham que a intervenção na ação não é justa. Indiferente da sua resposta sobre o tema, esse é um exemplo de uma escolha moral, veja agora como ela foi usada em jogos digitais.
Missile Command
Lançado pela Atari para fliperamas em 1980. O jogo trata sobre um estado com seis cidades costeiras que estão sofrendo um ataque de misseis e cabe ao jogador de usar suas três bases anti aéreas de impedir o ataque, explodindo os mísseis antes de acertar ou as cidades, ou as bases. O jogo acaba quando todas as cidades forem destruídas, mas a cada base destruída, o poder de fogo para impedir os ataques é diminuído (ou inutilizado caso todas forem destruídas.
No começo do jogo a dificuldade é mínima e facilmente o jogador consegue defender todas as cidades e bases, mas conforme avança a dificuldade fica mais difícil defender. Então escolhas devem começar a ser feitas. Priorizar as cidades ou as bases? Defender melhor as cidades próximas as bases ou fazer um esforço maior e tentar defender todas por igual?
Independente do resultado, o jogo se repete até que todas as cidades são destruídas e uma explosão toma conta da tela junto com uma única frase: “Game Over”. O criador do jogo disse que a inspiração para criar o jogo veio após um pesadelo em que seu estado (Califórnia) estava sob ataque nuclear e que acordou quando sua cidade explodiu.
This War of Mine
Outro jogo de guerra, War of Mine foi lançado para PCs em 2014 e conta a história da guerra pela visão de civis refugiados em zona de guerra. Assim como o clássico Missile Command, o jogo começa fácil, com abundância de recursos necessários para manter todo o grupo vivo e sem muitos problemas morais para lidar. Porém conforme passa, alguns problemas começam a surgir.
A questão central do jogo é sobrevivência e para isso é preciso racionar os recursos esparsos e construir coisas que ajudem a viver. Logo você se pegará em escolhas que resumem a casos de vida ou morte do grupo. Cada personagem conta com habilidades únicas que seriam úteis durante o jogo.
O jogo vai de encontro direto a narrativa comum de jogos de guerra onde se assume o papel de um soldado que apenas corre e atira em quem aparecer na tela, adicionando camadas narrativas nas escolhas de gameplay. O jogo foi baseado numa entrevista anônima de um sobrevivente bósnio da guerra da bósnia.
Life is Strange
Como qualquer graphic adventure, toda a jogabilidade do LiS é delimitada pela interação e escolha do protagonista com o ambiente e personagens. O jogo ainda conta com um fator de efeito borboleta (também muito usado no gênero) que define como a história se desenrolará futuramente sem o conhecimento prévio do jogador.
A parte a seguir contém spoilers, selecione o texto para enxergar
Até a chegada da resolução final do jogo, onde tudo que foi construido pelo jogador em forma de escolhas é destruído e somos levados a uma só escolha. Deixar Chloe morrer e salvar a cidade do caos ou sacrificar a cidade em nome da pessoa mais querida por Max Caufield. Um final muito criticado pelos jogadores, a escolha final é basicamente tudo o que foi trabalhado durante o desenvolvimento da história mas que ficou implícito. Vale mesmo por toda a cidade a perder em nome da pessoa especial com quem você passou a maior parte de sua história?
Já comentei sobre esse jogo em outro review desse site, não deixe de conferir!
Conclusão
O que acharam dessa forma única de enriquecer a narrativa dos jogos digitais com escolhas morais programadas em sua mecância? Algum exemplo de jogo que trabalha bem essa fórmula que você gostaria de falar? Deixe seu comentário!