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Ok… Vamos falar de pirataria! Há solução?

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Ok… Vamos falar de pirataria! Há solução?

Ok, acho que é hora de falar de pirataria, há alguma solução? Um assunto muito espinhoso na indústria de games e entretenimento no Brasil.

Ok… Vamos falar de pirataria! Há solução?

Não há como fugir desse assunto quando se fala da comercialização e distribuição de entretenimento, principalmente quando falamos do Brasil. Longe de ser um sinal de decadência moral de uma cultura ou uma crise do comércio, o fenômeno da pirataria e violação da propriedade intelectual necessita de uma análise séria e sincera sobre tudo que está acontecendo e o que leva as pessoas a piratearem.

O fechamento econômico do país a fortaleceu

Não deveria mexer com a pauta mais bombástica assim de cara, mas é melhor já esclarecermos isso desde início. Parte da força do mercado pirata no Brasil se deve a seu fechamento econômico e protecionismo histórico que, no mercado de eletrônicos, pode ser rastreado desde o regime militar. A crise econômica da década perdida (anos 80) também enfraqueceu o poder de compra do consumidor médio, causando uma preferência para produtos piratas e imitações.

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General Medici, responsável pela crise de 80

A economia paternalista do regime militar também dificultava a importação de produtos eletrônicos, o exemplo mais claro pode ser visto na Lei 7.232 de 29 de outubro de 1984, criada pouco depois da explosão de games no Brasil. No período, era proibida a importação de produtos eletrônicos, obrigando que sejam produzidos aqui mediante licenciamento o que, na prática, fortaleceu o contrabando de eletrônicos e a pirataria.

6236858828_aa96488c8c_zO Atari foi licenciado pela Polyvox para ser montado e vendido aqui, porém a Nintendo foi licenciar seus produtos apenas em 1993. Causando a criação dos famosos “Famiclones”. Esse famiclones eram consoles nacionais que visavam imitar a funcionalidade do Nintendo 8-bits, rodando seus cartuchos. Alguns exemplos famosos foram o Phanton System, Dynavision e o até hoje popular Polystation.

Da pra competir com ela

Sim, eu sei que não é exatamente a competição ideal. O custo marginal do produto pirata é muito menor e o serviço descentralizado dos camelôs que envolvem até retorno e troca do produto, caso o produto não funcione ou não seja de interesse do comprador, é bem dinâmico e cativante, mas outras empresas já competiram diretamente com a pirataria e saíram vencedoras.

Foi em concorrência a esse mercado de jogos piratas que a Tectoy cresceu, ao ser a empresa licenciada oficialmente pela Sega para produzir seus consoles, e não foi um trabalho fácil. Lançado em 1989, o Master System concorria diretamente com os famiclones na corrida dos 8-bits.

Exame1Obviamente o preço do console Sega era maior. Porém, a empreitada se mostrou de sucesso devido ao investimento em publicidade e a atenção na prestação de serviços com o consumidor, criando o primeiro Hot Line, serviço de atendimento e fornecimento de dicas para jogos, assim como um clube de fidelidade para os consumidores. No lançamento de seu segundo console, a Tectoy ainda concorreu com a pirataria de seu próprio produto, o Mega Drive.

Como a justiça não tinha condições de enfrentar a pirataria, a empresa tomou suas próprias medidas lançando o console em padrão americano contra o pirata, que era do padrão japonês. O sucesso da Tectoy nessa empreitada foi tamanha que, junto com o mercado europeu, a Sega liderou em popularidade no mercado frente a Nintendo, que era mais popular nos mercados americano e japonês. A força da empresa só foi abalada pela crise econômica de 1998 a 2001 e pela fragilidade da própria Sega durante o período.

Pirataria não é mais cômodo

Vamos ser sinceros, ninguém gosta de ler livros na tela do computador ou celular, porém não dá para levar milhares de livros para todos os lugares que for, e o preço de impressão, distribuição e logística do livro impresso inflaciona o valor final demais para quem precisa de uma pequena pesquisa do assunto. Acompanhar séries e filmes online também não é nenhum passeio no parque. links falsos, risco de vírus, dificuldade para achar o produto desejado. E crackear um jogo para rodar no pc, pior ainda se for um jogo antigo que não tem compatibilidade com seu sistema operacional, é simplesmente um inferno.

A ideia de esses e outros serviços por demanda online é cada vez mais aproximar o consumidor final do criador de conteúdo, barateando os custos para o consumidor e aumentar a margem de lucro para o criador e distribuidor. E definitivamente, um serviço que funciona por um clique, como o netflix, o kindle ou spotify é incrivelmente mais cômodo do que sair caçando seu produto nas matas selvagens da internet.

A pirataria mudou a indústria para melhor

Praticamente qualquer serviço de stream por demanda hoje deve suas origens a pirataria. Iniciado com o napster e passando por diversos serviços peer to peer, a forma de escutar e consumir música nunca mais foram a mesma. Abraçado primeiro pelo Itunes, hoje o modelo de negócio principal para quem distribui música não é mais o uso de mídias, ainda que exista um mercado de nicho para o mesmo, mas sim assinaturas em sites de stream. Um sistema que cortou intermediários, aumentou o lucro de artistas e facilitou a distribuição de bandas independentes.

O modo de assistir filmes e séries online também influenciou a criação de serviços como Netflix e Hulu e até mesmo o YouTube planeja aderir a um sistema de assinatura como alternativa ao serviço de propaganda atual. Até o mercado de livros entrou nessa onda com o serviços de Kindle e Google Play.

Além do que já foi dito da Tectoy, outra empresa que decidiu lutar contra o pirateamento do próprio produto em terras nacionais foi a Sony. Não houve um lançamento oficial de seus produtos até 2009 justamente por medo de competir com um mercado pirata e contrabandista bem estabelecido. Porém a empresa vem acumulando esforço para se estabelecer, criando até uma fábrica própria em território nacional, barateando o preço final do console e facilitando o contato com o consumidor.

Combater com violência e vigilância não é a solução

Fazendo uma análise semelhante a Guerra as Drogas e a proibição do álcool nos EUA durante os anos 20, a proibição violenta só atrai uma resposta violenta pelos consumidores e produtores na ilegalidade. Para se proteger da violência estatal, os produtores se organizam em cartéis violentos que controlam a distribuição e subornam pessoas funcionários do governo, assim como aconteceu com a máfia em Chicago nos anos 20 e 30 e com os narcotraficantes latino-americanos nas décadas mais recentes.

Ok… Vamos falar de pirataria! Há solução?Projetos de lei americanos anti-pirataria como SOPA (Stop on line piracy act) e PIPA (protection of Intellectual propriety act) propuseram mais ameaças a liberdade de expressão e neutralidade da rede do que realmente uma proteção contra a pirataria. Partes da redação inclusive concentravam poder de censura demais no governo na e iam de encontro com medidas e definições do departamento de segurança interna (Homeland Security). E sobre essa questão, vale lembrar da máxima de Benjamin Franklin que se mostra ainda bem atual: “Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança”.

Propriedade intelectual é um problema

Talvez o assunto mais polêmico da pauta, mas que seria completamente desleixado deixar de comentar. Obviamente é direito do produtor de lucrar com o próprio trabalho, o problema é quando empresas assumem a tutela do produto e pretendem manter o lucro mesmo não produzindo nada, como é o caso de editoras de quadrinhos que não relançam histórias clássicas, mas não permitem que as histórias originais sejam pirateadas.

No mundo de software, existe o chamando “abandonware” que trata de softwares que não são mais comercializados e distribuídos, mas que não chegam a entrar no domínio público. Geralmente a pirataria desses produtos não é combatida justamente pela falta de interesse da empresa sobre o produto. Sendo no Brasil, segundo a lei nº 9609 de 19, de Fevereiro de 1998, o prazo para o vencimento da propriedade intelectual de software de 50 anos.

A PI em si, dificulta a dinâmica da criação de qualquer indústria. Durante a rápida industrialização americana do século XIX, a ideia era de abolir completamente a PI, o que resultou na cópia descarada de produtos e equipamentos europeus, dando aos americanos a fama de “jankes” palavra holandesa para piratas. Edison criou a primeira tecnologia de criação de filmes e cobrava para que fosse usada. Cineastas então fugiram para o extremo oeste americano, longe da lei de proteção ao PI e fundaram Hollywood.

Outra situação irônica com a grande gigante da indústria do entretenimento, foi com a Disney, que cresceu justamente com adaptações de contos de fadas e folclóricos histórias encontradas em domínio público, fazer um lobby intenso com o governo americano para aumentar a rigidez das leis de propriedade intelectual para proteger sua marca mais famosa, o Mickey Mouse.

Qual a solução então?

Mais do que encarar como um puro ato de maldade, a questão da pirataria tem de ser encarada como um aviso que o modelo de negócio atual não é sustentável, que acaba excluindo uma grande porcentagem de consumidores e que estes acabam recorrendo a outros meios para adquirir o produto ou entretenimento desejado.

Empresas que já abraçaram as mudanças na indústria, cortando intermediário, barateando o produto final e aumentando o alcance de distribuição seguem liderando a indústria. Um mercado altamente viciado e fechado como o Brasil já se mostra muito mais aberto ao consumo. A poderosa Disney faz contratos de produção e distribuição com o Netflix, diversos canais de televisão americana cada vez mais abraçam os serviços de streaming. Ao passo que o mercado de entretenimento for mais inclusivo e competitivo, menor será o número de produtos pirateados.

Aquele que consome um produto pirata muitas vezes apenas não tem acesso ao produto original, ou por poder aquisitivo ou questão de distribuição, e acaba tomando o caminho da ilegalidade. Mas, ao invés de toma-lo como um criminoso que tem de ser punido, talvez a melhor saída seja entendê-lo como um consumidor em potencial e reavaliar o modelo de mercado em pauta. A pirataria veio para mudar os modelos de negócio, combate-la será inútil.
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