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Literando: H. P. Lovecraft – Dagon | Resumo e Análise

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Literando H. P. Lovecraft Dagon Resumo e Análise

Resumo e análise literária da obra Dagon de H. P. Lovecraft. Uma narrativa de horror cósmico sobre um sobrevivente de um naufrágio que sofre com sonhos delirantes de uma criatura mitológica avistada em uma ilha misteriosa.

Nome original: Dagon

Autor: Howard Phillips Lovecraft

Gênero e forma: Terror, Horror Náutico, Horror Cósmico, Conto

Resumo de Dagon

Começamos a história com o narrador escrevendo a próprio punho, a experiência que teve ao sobreviver um naufrágio. Sob estresse e inquietude, o narrador deixa claro que este pode ser o seu último relato vivo.

O narrador sem nome descreve como sua embarcação fora capturado por um navio de guerra alemão em meio a Primeira Guerra Mundial. Após um descuido dos guardas, devido a falta de vigilância, nosso protagonista consegue escapar.

Com alguma provisão, o narrador vagou por dias em alto mar. Desidratado e faminto, o sobrevivente conta como acordou encalhado num misterioso terreno de lama negra e fétida até onde a vista alcançava.

A região era infestada por diversas carcaças de criaturas marinhas e outros corpos indescritíveis. O narrador atribui a situação a provável erupção de solo oceânico que trouxe a superfície algo que a muito tempo estava afundado.

Após alguns dias andando próximo ao barco, o narrador avista um grande ao horizonte onde decide se dirigir. Ao descer em direção ao precipício do lado oposto do monte, o protagonista percebe existir em sua base, uma espécie de caverna com um monólito decorado com inscrições rústicas, esculpidas por mãos humanas, ou algo próximo disso…

Enfim, o monstro

Após uma análise dos misterioso símbolos esculpidos, que trazem repúdio e horror ao protagonista, o mesmo interpreta como algum povo ancestral anterior ao neandertal. É possível interpretar as figuras como algum tipo de deus ancestral ou monstros marinhos que os nativos idolatravam.

Enfim, enquanto analisava as figuras, o monstro marinho do formato semelhante ao monólito se esgueirou pela abertura da caverna, causando pânico ao narrador. Em uma frenesi de pânico e desespero, o mesmo relata subir em disparada o percurso que havia descido e corrido alucinado em direção ao seu barco, sem lembrar exatamente como lá conseguiu chegar.

Sua próxima lembrança é na cama de um hospital em São Francisco, Califórnia. Onde fica sabendo que foi resgatado por um navio americano quando estava perdido em alto mar.

Perturbado com a experiência que passou, o narrador procurou conhecimento da criatura que tinha avistado, e descobriu a lenda de Dagon, o “deus peixe” semita da antiga Mesopotâmia.

Sem maiores respostas, o narrador confessa como teria se afundado na morfina para lidar com as perturbadores memórias do avistamento da criatura.

Em suas últimas palavras ele reflete sobre o futuro da humanidade, caso as criaturas marinhas fossem a superfície capturar os seres humanos e proclamar seu direito sobre o mundo.

É então que, ao ouvir um ruído a porta, como se algo pegajoso a tivesse forçando para abrir, o protagonista decide se jogar pela janela, colocando fim a seu sofrimento.

Análise

Gosto de chamar Dagon de “pocket Cthulhu” (ou Cthulhu de bolso, em português). Pois vários dos temas que futuramente o autor usaria e seria famoso na história “O Chamado de Cthulhu” (Call of Cthulhu) foram usados aqui, de forma simplificada.

Uma de suas primeiras obras

Vale lembrar que Dagon foi seu terceiro conto publicado, ainda em início de carreira. E fora apenas nele que seus elementos mais clássicos pela primeira vez, apareceram.

Seu primeiro conto foi “O Alquimista”, onde temos um narrador obcecado por uma maldição de sua família onde todos seus ancestrais morreram exatamente aos 32 anos, idade que ele está prestes a fazer. Ainda que tenha nuances de horror, a história tem um grande flerte com o gênero Dark Fantasy.

Seu segundo conto, A Tumba, mostra também um narrador obcecado com a morte. Nessa história também temos elementos que Lovecraft só exploraria no futuro, mas isto é assunto para um outro post.

Em Dagon, temos a história apresentada por um narrador anônimo, a beira da loucura, tentando descrever através de uma carta, a experiência traumática de um horror desconhecido. Qualquer ávido leitor de Lovecraft sabe reconhecer o quão recorrente esse tema pode ser.

Esse sistema quase epistolar de narrativa, estilo que eu aprecio bastante, fora bastante comum entre a literatura romântica anglo-americana. Sobre isso, eu falei bastante no meu artigo Gone Home e o uso lúdico do Romance Epistolar, confira no link para saber mais do tema.

Quando descreve sua aventura começando ao sobreviver de um naufrágio, Lovecraft trabalha em cima de um tema bastante recorrente de sua literatura.

Horror náutico e a vida de Lovecraft

Lovecraft nasceu em Providence, capital do pequeno estado de Rhode Island. A cidade é localizada na ponta da baía de Narragansett onde o rio que dá nome a cidade flui até o seu centro.

Devido sua localização geográfica, a atividade portuária de venda de frutos do mar e pescados foi o que fundamentou a viabilidade econômica da cidade, mesmo após lutar espaço entre a industrialização do nordeste americano.

 

Não é difícil de imaginar que o pequeno Lovecraft, mesmo sendo um garoto recluso, teve contado com o mercado de pesca e frutos do mar do porto de sua cidade, e observou horrorizado as criaturas misteriosas que habitavam o fundo do oceano.

Por todas as correspondências e biografias que temos do autor, é fácil notar que Lovecraft era um rapaz ansioso, até mesmo histérico. Vos digo que este elemento é fundamental para um bom escritor de terror.

Foram os pensamentos perturbadores que o jovem, ao observar a imensidão do oceano e todo tipo de criatura horrível que lá habitava, pode transpor esses medos e ansiedades nas mentes daqueles que folheiam suas páginas.

Mas não só de frutos do mar que se constrói um monstro. Ao construir este mundo submarino, Lovecraft usou do seu conhecimento erudito sobre livros empoeirados na biblioteca de sua decadente família. E sobre esse imaginário vem meu próximo ponto.

A mitologia antes do Mythos

Outro elemento fundamental da literatura de Lovecraft que inclusive sobreviveu a sua vida e foi eternizada na mão de outros autores, cineastas, e desenvolvedoras de videogames e RPG. O chamado “Mythos” é essa cosmologia de seres ultradimensionais, extraterrestres e impossíveis, criada e expandida a cada história.

Porém, em Dagon, o autor ainda estava ensaiando essa pseudo-história cosmológica monstruosa. Para formar sua divindade maligna e perturbadora, Lovecraft se inspirou numa divindade adorada como divindade suprema em duas cidades na Síria e uma próxima ao Rio Eufrates, durante a Idade do Bronze.

Porém a imagem que Lovecraft tinha associada da divindade, vem de uma má interpretação proveniente de uma leitura medieval da mitologia da região, e comumente difundida no período que vivia.

A iconografia de Deus do mar, meio peixe, meio homem, era na verdade pertencente a Kulullû, deus marítimo da antiga Mesopotâmia.

De qualquer forma, qualquer ser humano de mente saudável, como eu ou você, ao ouvir “meio homem, meio peixe”, traz o imaginário de um tritão ou uma sereia. Mas se fosse pra ser bom da cabeça, Lovecraft não seria autor de terror.

Em sua mistura caótica de traços marítimos, de barbatanas e escamas, em uma criatura bípede humanoide, o autor constrói o principal opositor deste enredo. Onde a figura retorcida de símbolos conhecidos organizados de forma desconexa, é o suficiente para enlouquecer seu protagonista.

Racismo velado

Infelizmente este é um tema recorrente em diversos enredos do autor e que neste, prefiro abordar diretamente. Ao descrever as “culturas primitivas” que adoravam essa divindade de forma condescendente, podemos ver como o autor é completo fruto, diria até refém, de tomos ultrapassados e envelhecidos de antropologia e etnologia do século XIX que provavelmente recheavam sua biblioteca.

Nas nascentes dessas ciências que hoje atuam na contramão ideológica do que um dia foram, era comum a ideia de uma “corrida” evolutiva onde civilizações antigas ou nativas de regiões não exploradas por europeus, eram inferiores a esta.

Sobre esses temas, discorri melhor no meu artigo Lovecraft entre o conservadorismo, ceticismo e o indescritível. Mas, como opinião pessoal, penso que é fundamental abstrair esses conceitos ultrapassados e pseudocientíficos de sua narrativa, sem jamais esquecê-los.

Conclusão

Considero verdadeiramente esta obra como uma perfeita “porta de entrada” paras as narrativas lovecraftianas. Onde seus elementos mais clássicos estão presentes numa narrativa curta, interessante e altamente macabra.

Há uma excelente adaptação ilustrada de seu conto que eu recomendo efusivamente. Porém infelizmente a mesma se encontra sem legendas em português. Mas é um excelente treino para aqueles que querem aprender a língua inglesa.

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