Como parte das programações de do Halloween de 2020, eu publiquei uma série de pequenas postagens em forma de narrativa sobre uma breve história do terror nos jogos digitais nas redes sociais do blog.
Como gostei bastante do resultado, irei compartilhar os textos aqui.
Introdução
“A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido.”
É com essas palavras que Lovecraft abre seu conhecido “o horror sobrenatural na literatura”, livro que serve como uma genealogia do horror na literatura, e que eu de alguma forma pretendo emular nesta lista.
Nessa pequena citação, Lovecraft estava tecendo a base do conceito de seu “horror cósmico”, uma aversão ao inimaginável, ao desconhecido e inalcançável.
Porém meu foco é como ele discorre, nas próximas páginas, como o medo é um sentimento intrínseco à experiência humana, e como transborda para qualquer manifestação artística do ser humano.
Assim como nossos antepassados se reuniram a fogueira para contar suas primeiras histórias, o terror está presente desde que os primeiros bits de informação se convergiram em narrativa e expressão artística.
Mesmo que uma mídia de menos de um século, é difícil apontar exatamente o desenvolvimento dos primeiros jogos digitais ao mesmo passo que os primeiros registros do cinema estão perdidos no tempo.
O terror no princípio da história dos videogames
Sabemos que as primeiras representações dos jogos seriam em simuladores, ou de jogos de tabuleiro como xadrez (Turochamp – 1948) e jogo da velha (Bertie the Brain – 1950), ou simulação de esportes, como em Tennis for Two (1958).
Mas seria na simulação de vôos e naves espaciais, fortemente influenciado pela literatura de ficção científica e a corrida espacial dos anos 60, que os jogos digitais iriam florescer. Spacewar! (1962) seria o primeiro grande sucesso dessa leva de jogos.
Essa linha de “jogos de navinha” nos levaria a Space Invaders (1978). Idealizado inicialmente por conter inimigos realistas, acabou sendo programado com alienígenas baseados em arquétipos de monstros lovecraftianos, semelhantes a monstros submarinos. A ironia de a primeira experiência de horror ser baseada no autor que primeiro citei nessa jornada, definitivamente não fora perdida.
Mistery House e os primeiros adventures
Mesmo nos seus primeiros anos como mídia narrativa, os gêneros que mais tarde conheceríamos começaram a se difundir já nos seus primeiros anos. O que conheceríamos como “Jogos de Aventura” teve seu primeiro exemplo nos text adventures como “Colossal Cave Adventure” (1976) e Zork (1977).
Os jogos consistiam apenas em texto sobre a tela, onde era possível escrever comandos simples em texto para interagir com a história. Mas é em Mystery House (1980) que teremos tanto a primeira experiência gráfica, como também a primeira experiência de terror do gênero.
Escrito e desenhado por Roberta Willians (que crescerá como a rainha dos adventures e fundadora da Sierra Online) Mystery House coloca o jogador numa mansão vitoriana com diversos personagens para interagir. O objetivo é encontrar o assassino antes que ele encontre você.
Ainda que inspirado no livro investigativo “E Não Sobrou Nenhum” de Agatha Christie e com gráficos hoje ultrapassados, a experiência de estar trancado numa mansão abandonada com desconhecidos enquanto corpos começam a aparecer, foi uma experiência única de horror e um presságio do que viria ocorrer.
Berzerk, Monster Maze e outros jogos de labirinto
Um gênero que um dia foi sinônimo de Jogos Digitais e hoje parece permanentemente esquecido foram os “maze games” (jogos de labirinto) que dentre eles, alguns podem representar alguma experiência de terror.
Poderia falar até de Pac Man (1980) como exemplo mais famoso do gênero (onde um astronauta coleta drogas enquanto fantasmas tentam assassiná-lo). Mas foi 3D Monster Maze (1981), ao prender o jogador num silencioso labirinto com um tiranossauro rex, que a ansiedade proporcionaria uma experiência sufocante ao jogador.
Outro jogo do gênero que merece ser mencionado é Berzerk (1980), onde fugimos num labirinto gigantesco atirando em robôs e evitando paredes eletrificadas. Mas é em Evil Otto, uma smiley face gigante que atravessa paredes, que temos um monstro capaz de causar temor na jogabilidade.
Uma lenda urbana diz que um jogador morreu de infarto em um arcade justamente após um encontro traumático com esse monstro. De qualquer forma, a fórmula de correr em labirintos fugindo de chefões indestrutíveis seria amplamente usada em jogos do futuro.
O horror chega ao Atari
Conhecido como o bisavô dos survival horrors, devido ao seu gameplay onde percorremos uma casa assombrada atrás de itens e resolvendo puzzles simples para avançarmos no jogo.
Lançado para Atari, Haunted House (1982) é um jogo de gráficos simples e jogabilidade ainda mais simples, onde vemos apenas um par de olhos brilhando no escuro enquanto foge de morcegos, aranhas e fantasmas.
Seria o primeiro a trazer os temas mais básicos do Survival Horror.
Missile Command e o horror atômico
A primeira vista, Missile Command (1980) parece apenas uma versão levemente atualizada e realista de Space Invaders. Por que então merece seu lugar na história, ou ainda, nessa seleta e disputada lista de história do horror nos jogos digitais?
Bem, em grande parte pela forma como o jogo conta sua história através do gameplay. Colocando o jogador na posição defensiva de um ataque nuclear, onde ele lentamente deve manejar seu arsenal para salvar o máximo de cidades possíveis. Disparando uma ansiedade digna de poucas narrativas assustadoras.
O pior, por ser um jogo de fliperama sem fim, a realidade da narrativa é que, não importa quão bem você defenda as cidades.
Em algum momento a última cidade cairá sob o ataque nuclear e na tela aparecerá apenas as palavras “The End” com o som de uma explosão nuclear de fundo. Um sombrio fim para qualquer história horripilante.
The Screamer e o horror cyberpunk
Demoraria alguns anos para os primeiros RPGs digitais se “desmembrarem” do gênero adventure e se tornarem mais parecidos com o que conhecemos hoje.
Talvez o primeiro jogo nesse novo gênero seja Ultima (1980) que, como muitos outros, tinham como pano de fundo um ambiente tolkiano de fantasia medieval.
Mas em 1985 no Japão, teríamos uma experiência de body horror com Cyberpunk digna de reconhecimento com The Screamer.
Jogo pós apocalíptico onde você assume o papel de um caçador de recompensas encarregado de matar criaturas mutantes criadas através de um experimento militar biotecnológico japonês após uma guerra nuclear.
Com influências de Blade Runner, Mad Max e Hokuto no Ken (Punho da Estrela Polar, famoso pelo meme “omaeoma, mo shinderu). O jogo tem um pesado ambiente de bio terror e horror corpóreo de fazer inveja a muito Resident Evil no futuro.
Quer uma descrição mais detalhada? Confira minha série sobre a história do terror nos jogos digitais:
O horror como gameplay antes do Survival Horror (1980 – 1989)
O Horror como temática em jogos de Ação e Aventura (1982-1992)
O horror atmosférico dos Adventures (1989 – 1998)
Os bizarros jogos RPG de terror japoneses
Parte 1 e Parte 2