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Como King of the Hill se mantém atual após vinte anos

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Como King of the Hill se mantém atual após vinte anos

Como pode uma série como King of the Hill se manter atual após tantos anos de sua estreia? É essa a pergunta que eu me fiz e, ao analisar os três primeiros episódios (e algumas outras narrativas) pude chegar a uma conclusão surpreendente.

King of the hill previu o futuro?

“Os Simpsons não previram o futuro, somos nós que não evoluímos como sociedade nos últimos trinta anos.” Vi essa frase solta pela internet esses tempos e eu, como um fã absoluto das primeiras temporadas de Os Simpsons. Não pude negar que fiquei no mínimo… dividido.

Decerto, devido meu status de fã, percebi que estava vendo tudo de muito perto para poder ter uma opinião concreta sobre o assunto. Dessa forma, foi assistindo “King of The Hill” (conhecido aqui no brasil como “Rei do Pedaço”) que uma luz pareceu acender na minha mente.

King of the Hill?

A série foi lançada nove anos após a estréia de Simpsons, mas com o mesmo espírito original da criação de Matt Groening. Como uma sitcom de uma família americana animada, porém com doses irônicas de realismo. E devo dizer que o resultado foi mais próximo da realidade do que eu esperava.

Conforme assisti episódio por episódio, vi cada vez mais temas recorrentes do nosso cotidiano político e social, explorados nessa série lançada há vinte e quatro anos (!) atrás. Por isso decidi fazer uma análise dos primeiros capítulos da primeira temporada, e peço que me acompanhe nessa aventura através do começo dessa subestimada série animada americana, que se mantém tão atual nos dias de hoje.

Seus principais personagens

A série fala sobre a família Hill, composta por Hank e Peggy Hill, seu filho Bobby, e a sobrinha de Peggy, Luane. A garota vive “temporariamente” com a família enquanto sua mãe cumpre pena no presídio. A família vive em um subúrbio de classe média da cidade fictícia de Arlen, no Texas.

Em seguida, temos um segundo núcleo central da série é o grupo de amigos de Hank: Dale Gribble, um extremista conservador americano, fumante compulsivo e  viciado em teorias da conspiração. Bill, amigo destruído  emocionalmente pelo divórcio de anos atrás e Jeff Boomhauer, amigo “garanhão” do grupo com um claro problema de dicção (notável apenas em inglês).

A vida simples de Hank num subúrbio texano abre diversas margens para comentários sociais e políticos, mas o grande foco da série é a interação dos personagens e seu lento desenvolvimento de personalidade. De qualquer forma, ainda é possível ler nas entrelinhas 

Episódio piloto

Já no primeiro episódio conhecemos um pouco melhor um dos amigos mais próximos de Hank. Dale Grible é um conspiracionista de direita e negacionista do aquecimento global. Entre piadas sobre a empresa de carros FIAT e suas teorias governamentais, Dale defende acelerar o processo do aquecimento global para que “possamos criar laranjas no Alaska”.

A resposta energética de Hank vem com um “nós vivemos no Texas, seu cabeça oca. Já faz 40 graus no verão. E se ficar um grau mais quente, eu vou socar a sua cara.” Longe de trazer os absurdos de Dale para um debate político, Hank apenas se reserva a apelar pra sensatez.

Violência doméstica e assistência social

Porém o verdadeiro enredo do episódio é sobre uma má interpretação de violência doméstica de Hank que faz com que um assistente social investigue sua conduta. Tudo que a gente toma como estereótipo atual de militante hipersensível já é possível ser notado no comportamento do assistente social.

Tudo que Hank diz é mal interpretado pelo agente, ele conduz a entrevista de modo a induzir o pai ao erro… A situação chega ao ponto dele ouvir uma imitação de Hank feita pelo amigo do Bobby e pensar ser do próprio, tudo para poder incriminá-lo injustamente por violência doméstica.

Toda essa superproteção do agente faz com que Bobby se perceba numa situação de privilégio e acaba agindo de forma mimada, percebendo que seu pai fará de tudo para não perder a guarda do filho. Tudo evolui para uma história de confiança e amor de pai para filho que apenas as sitcoms dos anos 90 poderiam entregar.

Square Peg e a educação sexual

Se o primeiro episódio se aproveita para caçoar da hipersensibilidade da esquerda, o segundo mira no conservadorismo paranóico da direita. Peg Hill, como professora substituta, é nomeada para dar aulas de educação social na escola do Bobby após Dale (sempre ele) ameaçar secretamente a professora.

O episódio navega sobre a retração sexual e a incapacidade dos adultos no desenho de lidarem com o tema de forma séria e aberta. O episódio começa com a vergonha de Hank de ser visto pelo filho sem camiseta, com sua esposa passando gel de massagem em seu corpo.

Em sua primeira tentativa de ensinar educação sexual pro filho por ele mesmo, Hank se lembra de uma frustrante experiência com seu próprio pai tentando ensiná-lo mostrando um gado cruzando, e tenta tentando repassar a experiência fracassada e traumatizante para o filho.

A quebra de tabus e o aprendizado

Um artifício narrativo comum das sitcoms americanas é como todo episódio apresenta um “problema”, os personagens aprendem a lidar com ele, e tudo retorna ao status quo no final do episódio. King of the Hill utiliza dessa narrativa para fazer com que Hank e Peggy aprendam sobre as dificuldades do ensino sexual. Em seguida passando a aceitar a necessidade desse aprendizado.

A narrativa dialoga muito com o choque de gerações e a perpetuação de frustrações sexuais que as gerações mais novas não deveriam ser obrigadas a passar. E mesmo os traumas que os adultos carregam consigo até hoje.

The Order of Straight Arrow e a apropriação cultural

Mais um episódio sobre choque de gerações, romantização do passado e com uma boa dose do que hoje chamamos de “apropriação cultural”. Nele, vemos que Hank e seus amigos seguem uma tradição de um bizarro “ritual de passagem” indígena. Ainda que nenhum deles tenha alguma ancestralidade nativa.

Claro que toda a experiência vai ao fracasso devido ao novo mundo que os garotos encontram, diferente de quando Hank era criança. A situação fica ainda pior quando Bobby desmaia um animal em extinção.

Uma série que merece ser revisitada

Há ainda diversas pequenas narrativas que mereciam ser mencionadas aqui. O óbvio caso de infidelidade e filho não legítimo de Dale que é ironicamente, o mais paranóico do grupo.

A incapacidade de Hank lidar com seus sentimentos e como isso o atrapalha na vida. Além do misto de independência e garra de Peg associado com sua devoção ao lar e imagem de esposa americana.

Em conclusão, a verdade é que King of The Hill merece uma revisitada com carinho. Pois muito do que a série tem a falar, viria a cair bem em ouvidos contemporâneos. 

Yep! Yeeep… uh hum.

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