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Um histórico sobre vilões nietzschianos

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Um histórico de vilões nietzschianos

Vários conceitos do filósofo Nietzsche são usados por vilões em filmes. Venha conferir nosso histórico sobre vilões nietzschianos.

Ao fazer meu artigo chamado “Zé do Caixão: O pai do terror nacional” e comentar sobre o caráter nietzschiano do vilão no filme, fiz um pequeno anexo no texto explicando alguns aspectos da filosofia de Nietzsche e citando alguns exemplos de filmes que usaram desses vilões nietzschianos… E o anexo ficou maior do que o próprio texto.

Vilões Nietzschianos, uma análise

Portanto, decidi juntar tudo e postar como um artigo próprio sobre o tema. Espero que gostem! Vamos analisar algumas tentativas cinematográficas de construir vilões baseados em conceitos nietzschianos, mas que não foram tão eficientes narrativamente como Zé do Caixão.

vilões nietzschianos Friederich Nietzsche

Alguns conceitos nietzschianos

Bem, primeiro imagino ser necessário falar um pouco de Nietzsche para assim, compreendermos por que alguns vilões usam sua filosofia como motivação interna. Nietzsche como filósofo versou sobre diversos temas, como o ateísmo, estética e filologia, mas sua principal preocupação é com a moral, ou com o aspecto enrijecido da mesma.

Nietzsche declarava a moral cristã como aprisionadora, descendente de uma “moral de escravo” que apenas aprisiona a pessoa num estado de servidão. Tido erroneamente como niilista, Nietzsche defendia não só o questionamento, desconstrução e abandono completo da moral vigente, a essa prática, chamava de “Filosofia do Martelo”, mas também a constante subversão dos valores morais. Onde o instinto original é o principal motor de transformação, a isso ele chamava de “Vontade de Potência”.

Ubermensch, ou Além-Homem

Aquele que conseguir vencer a moral estabelecida, criar a sua própria moral interiorizada a ponto da auto aprimoração e crescimento, iria transcender a humanidade e se tornar o Além-Homem. Todo aquele que se deixava vencer por um mundo niilista e sem sentido, seria considerado um fraco, um ressentido.

E o melhor exercício moral para averiguar sua capacidade de aceitar o destino como ele é, algo que ele chamou de “Amor Fati” (paixão pelo destino), era se imaginar repetindo sua vida pela eternidade e ainda sim se apaixonar pela ideia da existência, não se tornando amargo ou ressentido, a esse exercício ele chamou de “Eterno Retorno”.

Esses são os conceitos mais básicos para entender a filosofia de Nietzsche, ou ao menos o máximo possível para explicar conceitos tão densos em apenas quatro parágrafos. Clóvis de Barros Filho viralizou com pequenas aulas sobre Nietzsche (e outros filósofos morais) no youtube, para qualquer outra dúvida, assista os vídeos dele.

Rope (1948)

Seria impossível levantar TODOS os vilões que um dia usaram de uma motivação nietzschiana, então irei salientar alguns mais marcantes. O primeiro seria a dupla de estudantes em Rope (Festim Diabólico), obra prima do suspense de Alfred Hitchcock onde o filme todo parece ser em uma única sequência interrupta, criado décadas antes de Birdman e 1917.

No filme, dois alunos universitários assassinam um amigo de curso e colocam seu corpo escondido em um baú. Este baú é colocado no centro de uma sala onde disporiam uma mesa de aperitivos e dariam uma festa com convidados. Dentre esses convidados, estão inclusive gente da família da vítima.

Rope 1948 Alfred Hitchcock

Nietzsche usado para o crime perfeito

A influência para o crime seria uma aula de seu professor, que comentaria sobre a filosofia de Nietzsche, e o satírico ensaio de Thomas De Quincey intitulado “Do assassínio como uma das belas artes”. O ensaio defende a ideia de que a criação de um crime perfeito seria uma atitude sublime da arte, dialogando por sua vez com a estética nietzschiana sobre a arte como expressão dionisíaca e com um niilismo absoluto da moral.

A péssima leitura dos dois alunos consiste em a) não reconhecer o fator satírico da obra de Quincey e b) compreender a estética e moral nietzschiana como um plágio para a maldade, uma visão niilista da moralidade como o personagem de Crime e Castigo diz: “se não há deus, tudo é permitido”.

Felizmente o desentendimento dos alunos sobre os temas abordados é esclarecido pelo próprio professor próximo ao final do filme, ainda que seu entendimento reflita mais um arrependimento de trabalhar o conceito do autor, do que energeticamente demonstrar a falta de compreensão dos alunos.

Cape Fear (1981) Cabo do Medo

Cabo do Medo (1991)

Um segundo filme onde toda a motivação do vilã repousaria em conceitos nietzschianos será em Max Cady, vivido por Robert de Niro no filme “Cabo do Medo”, remake de um filme de mesmo nome lançado em 1962.

Max é um ex-presidiário que, ao estudar direito criminal na prisão, descobre que seu advogado de defesa omitiu provas cabais em seu caso de abuso sexual. A omissão poderia não só diminuir sua pena, como até mesmo inocentá-lo do atentado. Em busca de vingança, Cady persegue o advogado em procura de destruir sua família e vida estável.

O conflito do homem natural x homem social

O filme faz um bom papel em contrapor uma parte animalesca e selvagem em Cady com a moralidade rígida de seu ex-advogado, Sam Bowden. O advogado mantém uma fé inabalável na justiça e ordem da democracia moderna. O filme inclusive faz uma apologia a vontade de poder nietzschiana, ao mostrar no desenrolar do filme quão pouco o sistema de justiça pode ajudar Bowden. Que só consegue sobreviver aos ataques de Cady ao assumir o seu lado mais animalesco, vencendo seu adversário através da vontade e força bruta.

Porém, alguns problemas aparecem aqui e ali. A motivação inicial de Max Cady é o ressentimento pela falta de ação de Bowden para o libertá-lo. O próprio conceito de vingança é uma resposta odiosa do ressentimento, algo primordial para se abandonar aquele que almeja se tornar um além homem.

Ou como Nietzsche colocou em seu livro “Humano, Demasiado Humano”:

Ter um pensamento de vingança e realizá-lo significa apanhar um forte acesso de febre, mas que passa; ter, porém, um pensamento de vingança, sem força nem coragem para o realizar, significa trazer consigo um padecimento crónico, um envenenamento do corpo e da alma. A moral, que só olha para as intenções, avalia de igual maneira ambos os casos; em geral, considera-se o primeiro caso como pior (por causa das más consequências que o acto de vingança talvez traga consigo). Ambas as avaliações são de vistas curtas.

Lord Voldemort Power

Franquia Harry Potter

Poderia se pensar que, com o tempo, as leituras nietzschianas produziram um embasamento maior para autores criarem vilões com motivações genuinamente nietzschianas. Mas é em Voldemort e na casa Sonserina da saga Harry Potter, que vemos a pior representação desses conceitos ainda vista.

Qualquer fã de Harry Potter lembra de uma das principais falas de Voldemort. “Não existe o bem e o mal. Só existe o poder, e os que são fracos demais para conseguí-lo”, a frase é metade um parafraseamento do famoso aforismo de Nietzsche: “Tudo que é feito por amor está além do bem e do mal” e outra metade uma referência a todo conceito de vontade de potência, onde a finalidade maior da vida é o poder.

A própria casa onde Voldemort cresceu e mais tem apoio, Sonserina, é recheada de referências aos ideais nietzschianos. Tais como: Individualismo, determinação e ambição. Porém, JK Rowling perverte esses conceitos da mesma forma que os pensamentos de Nietzsche foram pervertidos por sua irmã e pelo partido nazista, para se enquadrar na ideologia do partido. A grande ironia dessa perversão e revisionismo dos escritos de Nietzsche é sua notável aversão ao nacionalismo de Wagner, grande pilar essencial da intelectualidade nazista.

“Todo mundo que eu não gosto é nazista” por J K Rowlins

Comento sobre Nietzsche e o nazismo pois todo o embate de Voldemort e seus seguidores é uma referência nada sutil ao nazismo. Com as linhagens tradicionais e elitistas de bruxos sendo representadas pela raça ariana, e as pessoas com descendência “não-mágica” são chamados de “mudbloods” (sangue ruim, sangue com lama) para representar a miscigenação.

Essa associação de Nietzsche com o nazismo vem principalmente da pervertização do conceito de além-homem. Conceito que para os nazistas, representava um ideal físico e genético de pureza racial. Mas que para o filósofo, era uma categoria moral através da transvaloração da vontade de potência e da criação de um espírito realmente livre.

Ao invés disso, Voldemort opta por viver uma vida extremamente ressentida. Seja com a “impureza racial” de seu pai, seja contra Harry Potter. seja contra todo o mundo trouxa. Sua alma mater, a Sonserina, poderia ser trabalhada em cima de ideias Nietzschianos complexos. Dando profundidade narrativa a todo conflito entre as quatro casas e seus representantes.

Ao invés disso, a autora preferiu manter as disputas “preto no branco” e apenas os vilões a seu papel mais básico, com direito a falta de conhecimento sobre o filósofo alemão.

À procura de vilões nietzschianos

Reforço o que disse no artigo sobre o Zé do Caixão em dizer que ele sim, é a melhor representação de um vilão nietzschiano. Mas estaria mentindo se não estivesse avidamente esperando por uma fiel representação nietzschiana num vilão bem construído. Tenho algumas produções promissoras em contos que escrevi, mas que ainda não foram publicados em nenhum lugar.

Prevendo alguns comentários sobre o tema, imagino que algumas pessoas iriam referenciar a persona do Coringa, em seus mais variados filmes, como um perfeito niilista. Mas o personagem se encaixa melhor no conceito de absurdismo criado por Albert Camus. Se desejarem, poderei abordar esse tema em outro artigo.

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