O Chamado foi um dos primeiros filmes de horror a realmente me impressionar. Seu remake americano saiu em 2002, quando eu tinha apenas 14 anos e tudo que existia nele me aterrorizava. Ainda hoje que já sou um inveterado fã de horror e ando bocejando aos grandes “filmes assustadores” atuais, não sou muito seguro de reassisti-lo.
Porém, mesmo a produção do filme ser razoavelmente nova para o gênero terror (Exorcista e Poltergeist são de 4 décadas atrás, Nosferatu e Drácula são de quase um século atrás) o formato da mitologia do filme infelizmente não mais se adapta para o mundo atual. E qualquer tentativa de contorná-la ou atualizá-la, irá destruir sua história, entenda porquê:
Um conceito preso ao século passado
O conceito de um filme de terror é a grande ideia onde toda a trama circula. Alguns são eternos, como uma casa assombrada (Poltergeist), uma criança sendo possuída pelo demônio (Exorcista) ou um assassino impiedoso solto num lugar afastado (basicamente todo filme de Slasher), porém o conceito de o Chamado não tem a mesma sorte.
Tudo ligado a mitologia de O Chamado está ligado a um tempo que não mais existe. Existe uma fita VHS assombrada e desaparecida que amaldiçoa aqueles que a assistirem. quando assistida, o espectador recebe uma ligação no telefone de casa avisando que após 7 dias, a garota do vídeo irá visitar a casa da pessoa e assassiná-la. Vocês com menos de 24 anos vendo esse texto, lembram o que é uma fita vhs?
O grande sabor de mistério da fita assombrada, era por ser algo difícil de ter acesso. Como existia uma única cópia física, não seria fácil encontrá-la. Talvez sequer existisse! Dando um ar de folclore urbano a história. Com uma fita sem embalagem é praticamente impossível saber o que há dentro dela, cada fita desconhecida que caísse nas mãos da pessoa despertavam curiosidade e medo nas pessoas. Será ela?
Viralização de conteúdo
Hoje em dia vivemos o exato oposto. Não é possível perder um vídeo uma vez que ele é viralizado. O grande montante de sex-tapes e nudes são a prova constante da memória perpétua que se tornou a internet. Um vídeo da Samara na internet não seria uma história auto contida sobre um mito urbano que pode matar sua família. Mas sim um filme apocalíptico cyberpunk pós moderno. Um Mad Max de fantasmas.
Um conceito brilhantemente estabelecido no filme original japonês (e completamente estragado na versão americana) é que o único jeito de bloquear a maldição da Samara é fazendo uma cópia de sua fita original antes dos sete dias e apresentá-la a outra pessoa. E esta teria de fazer exatamente a mesma coisa, perpetuando a maldição para sempre.
O horror por trás desse conceito é porque era difícil viralizar um conteúdo analógico. Talvez o melhor exemplo disso eram as famosas fitas de Faces da Morte, um pseudo-documentário em snuff film (sim, ele é fictício, todos estamos lidando com isso) que foi proibido em diversos países. A solução? O compartilhamento físico de cópias ilegais do mesmo.
E para o padrão atual, as imagens nem são tão fortes assim. Claro, ninguém gosta de ver um macaco com a cabeça aberta, ou uma execução da cadeira elétrica. Mas cenas muito mais horríveis estão a dois cliques no google, a alguns segundos de distância.
E essa é a grande diferença do mundo de hoje. Não é que estejamos menos sensíveis a violência. Apenas que o fácil acesso e a viralização da informação nos deixaram menos ansiosos. Toda a tensão asfixiante do filme se desmancha para virar apenas um grande conceito apocalíptico.
Uma nova visão, para uma nova mitologia
Para revitalizar o conceito do filme “O Chamado” para os dias atuais, seria necessário um pensamento crítico e inovador ao conceito do horror que raramente vemos na grande mídia atualmente. Está muito além da superfície de se fazer um grande trabalho de marketing viral, e esquecer de investir artisticamente no produto original.
O estado da indústria do cinema de horror hoje em dia, que se resume a uma fabricação incansável de jumpscares vazios de narrativa. É um caso a ser analisado individualmente que merece um texto só seu. Mas obviamente ajudou a “amarrar” o fracasso que foi a continuação de o Chamado 3. Que vai inclusive na contramão de filmes tentando inovar o gênero, como O Homem nas Trevas e A Bruxa, lançados ano passado.
Apesar de gostar muito da franquia. Acho que dificilmente ela será renovada para o século atual, a menos que uma nova equipe criativa saiba contornar os conceitos ultrapassados da mitologia do filme e saber adaptá-los de forma coerente e interessante, o que eu, como um grande fã de filmes de horror, adoraria ver.