Entenda como a série Luke Cage, produzida pela Marvel Netflix mergulha e atualiza o conceito de Blaxplotation do cinema para a série.
Após uma grande expectativa como primeiro herói negro a ter seu trabalho próprio dentro do MCU, Luke Cage estreou com tanta força que foi responsável por derrubar os servidores da Netflix em seu fim de semana de estreia.
Sua narrativa mantém o tom “realista” das outras séries Marvel/Netflix mas com uma abordagem própria. Ao passo que Jessica Jones aborda temas mais psicológicos como relacionamentos abusivos e violência sexual.
Luke Cage aborda diretamente o racismo nos EUA e a situação da população negra. Mergulhando em influências do gênero de cinema chamado blaxploitation.
Um novo passo para a Marvel/Netflix
O universo urbano mais uma vez se expande, agora além das ruas de Hell’s Kitchen até os lugares mais barra pesadas do Harlem.
Luke, que já apareceu na série de Jessica Jones, contém várias referências a Demolidor também, com a participação intensa da Enfermeira da Meia Noite, que funciona quase como a Nick Fury dos futuro Defensores até então.
Um detalhe interessante na estética da série, que também presta homenagens às séries anteriores, é um detalhe da fotografia. Com a série do Luke Cage dando destaque para tons amarelos, com destaques para imagens e luzes dessa cor, que são referentes ao uniforme do herói nos quadrinhos.
Ao mesmo passo que Jessica Jones faz referências ao roxo (cor do vilão Killgrave nos quadrinhos) e a segunda temporada de Demolidor que dá bastante atenção ao vermelho.
A série trabalha com diversos ambientes que nos EUA são diretamente associados a cultura negra, como o “barbershop” como fator de socialização, quase uma espécie de clube entre os negros das grandes metrópoles.
Basta ver a série “Todo Mundo Odeia o Cris” e a franquia “Uma Turma do Barulho” de Ice Cube, como também as grandes boates de black music (retratadas por exemplo em The Get Down). E a grande costura desse universo é baseado no gênero “blackploitation”.
Blaxploitation
Blacksploitation foi um gênero do cinema americano dos anos 70 que tinha como ênfase a cultura negra norte-americana. Sendo um subgênero do “explotation”, um gênero que não tem exatamente uma classificação clara, mas que trata de filmes mais experimentais que “exploram” um único tema e que fogem do circuito maior de cinema, sendo focados mais em produções independentes.
Talvez o maior sucesso do gênero tenha sido Shaft, um filme sobre um detetive particular negro responsável por resgatar a filha de um contrabandista também negro das mãos da máfia italiana. Além da clara inspiração no cinema noir o filme conta com uma trilha sonora típica do gênero, composta integralmente por Isaac Hayes, famoso músico americano de R&B, Disco, Funky e Soul.
A trilha sonora acaba se tornando marcante nos filmes de blaxploitation. Indo para um trabalho muito mais experimental temos Sweet Sweetback’s Baadasssss Song, um filme que também contém temas policiais e sexuais de maneiras ainda mais explícitas que Shaft por ser uma criação do cinema independente.
A criação de Luke Cage e o blaxploitation
A Marvel está sempre atenta aos rumos da cultura pop e aproveita o momento para criar seus personagens. A empresa foi praticamente fundada no calor da segunda guerra mundial.
Recriou seu universo após a explosão da ficção científica dos anos 60 com o quarteto fantástico, e transformou um gênio da da indústria armamentista num super herói tecnológico em meio aos conflitos da guerra ao Vietnam.
Não seria difícil imaginar que a Marvel seria a primeira a pegar uma lasca da explosão do blaxploitation.
Com uma origem não muito diferente das HQs, Carlos Lucas caiu na armação do seu então amigo Willis Stryker (na série é por inveja do pai, nos quadrinhos é pela namorada dele) indo parar na prisão.
Onde aceita fazer parte de um experimento científico para reduzir sua pena do qual ganha seus poderes, foge da prisão e agora atende por Luke Cage.
Diferente da série, Luke vende seus serviços para quem puder pagar. Como quadrinhos não tem trilha sonora, suas histórias são focadas na violência, racismo, polícia e investigação e um pouco de sexualidade (o que poderia ser permitido nos quadrinhos naqueles tempos). Fazendo com que a revista traduzisse o possível do gênero blaxploitation do cinema para as HQs.
Revival do Blaxploitation
Luke Cage não foi a primeira obra a tentar reviver o gênero, temos também Jackie Brown em 1993 do diretor Quentin Taranino que fez isso muito bem. Revivendo a carreira da atriz Pam Grier, famosa por fazer diversos filmes do gênero nos anos 70, inclusive a maior inspiração da obra, chamado Foxy Brown.
O filme usa diversos recursos narrativos imortalizados nos filmes de Pam, mas com a pesada assinatura do diretor. Com diálogos marcantes e cenas surpreendentes, o filme é uma ótima experiência para os fãs do diretor. Porém, os temas de blaxploitation parecem revividos, não reinventados, como aconteceu em Luke Cage dos quadrinhos e série.
Modernização de Luke
Com o tempo, a camisa de seda amarela e o cinto de corrente do personagem passaram a ficar carnavalesco demais até pro universo de super heróis. O visual do herói foi lentamente sendo reinventado nas histórias do selo Marvel Knights. Principalmente na história Alias, de Michael Bendis (protagonizada por Jessica Jones) que aproxima o herói de temas ligados ao hip hop.
E é nesse meio termo que a série se reinventa. Fazendo respeito tanto a velha escola do black music, como a participação maravilhosa do Delfonics. Música que é decisiva no filme Jackie Brown, quanto o hip-hop, que tem a participação de Method Man, do grupo Wu-Tang Clan. Esse tema mais musical foi abordado no meu texto sobre o uso da trilha sonora nos filmes Marvel, dê uma lida.
As cenas de sexo e o envolvimento do protagonista em diversos casos amorosos também é repetida aqui, fazendo Luke Cage o verdadeiro garanhão do Universo Marvel dos Cinemas (desculpa, Tony Stark). Mas sem dúvida o elemento mais bem utilizado da série que remete aos filmes, é o racismo.
Luke é um negro de origem humilde que é foragido da polícia. A série não teme em mostrar o quão nocivo o tráfico é para a comunidade do Harlem e, sem dúvida, quão despreparada a polícia é para lidar com o crime organizado.
Geralmente descontando sua frustração nos pobres e aumentando a violência na comunidade num grande espiral de intolerância.
De tudo que acontece na série, acho que o mais emblemático é que, depois de anos de universo Marvel, apenas quando um herói negro é aprova de balas, a polícia tem acesso a armas contra super seres. Acho que o discurso de Diamondback sobre como usar o medo para controlar o governo já fala por si só.
Conclusão
Luke Cage é uma série fantástica a ser adicionada ao Universo Marvel mantendo o nível de qualidade da parceria entre Marvel e Netflix.
Longe de ser um grande show de ação e luta como Demolidor, a série usa da temática do blaxploitation para poder falar de racismo, liberdade sexual e violência policial. Que vem muito bem a calhar nas ondas de manifestações americanas como o Black Lifes Matter.
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