Descubra o poder do horror atmosférico dos Adventures nessa sequencia de artigos sobre a história do Horror nos jogos digitais.
O horror atmosférico dos Adventures (1989 – 1998)
O Horror tem uma longa e intrínseca história com os jogos digitais. Com ele já adicionado na mecânica do gameplay em jogos voltados para o gênero e devidamente abordado como temática nos games de ação e aventura, pouco havia à se adicionar ao gênero. Porém com os adventures, uma abordagem mais artística e atmosférica foi dada as narrativas dos jogos de horror.
Essa abordagem dividiu o período mais fértil dos primeiros jogos de ação com terror e nos primeiros anos dos jogos de survival horror, porém abordaram o terror psicológico muito antes da franquia Silent Hill.
O envolvimento do horror com o gênero adventure data desde os primórdios dos games como mídia. De fato, o primeiro adventure a ter representação gráfica, e não apenas texto (fundando assim o gênero graphic adventures), foi o jogo de mistério chamado Mystery House, para computadores em 1980. Criada pela designer Roberta Willians e fortemente inspirado por livros policiais de Agatha Christie.
Claro o jogo não tinha nenhuma sensação atmosférica de horror, vem então o jogo Personal Nightmare, lançado para os computadores Amiga em 1989, de tentar trazer uma certa sensação de desconforto no jogador. A história gira em torno de uma pequena cidade que está sendo tomada por pessoas possuídas, cabe ao jogador o período de quatro dias para livrar as pessoas da possessão e buscar os responsáveis pelos casos que são uma bruxa, um vampiro e Satã em pessoa.
O jogo é a primeira tentativa da empresa Adventure Soft, especializada no gênero adventure, de criar algo no gênero horror (formando a divisão Horror Soft para tal) e parte dessa tentativa foi capitaneada pelo uso licenciado da personagem Elvira, apresentadora de uma série de horror com comédia chamada Elvira’s Movie Macabre e protagonista do filme Elvira, Rainha das Trevas. O uso dessa imagem trouxe adaptações e participações da personagem de Cassandra Peterson em jogos como Elvira: Mistress of the Dark em 1990, Elvira II: The Jaws of Cerberus em 1991 e Waxworks de 1992. Apresentando gráficos bem elaborados para o período.
Melhorias gráficas eram uma demanda natural para uma melhor ambientação do horror no gênero adventure. E foi essa necessidade de representações gráficas mais desenvolvidas nesse gênero que fez o estilo ser o mais experimental na indústria de games. Talvez por isso tivemos uma grande experiência no uso de “full motion videos” (vídeos em ação). Os FMV eram basicamente vídeos gravados com atores reais e incorporados aos videogames com qualidade reduzida, foram bastante populares nos anos 90.
Como ótimo exemplo do gênero temos Night Trap de 1992 para Sega CD com a protagonista Kelly Medd interpretada por Dana Plato, famosa pelo papel de Kimberly em Diff’rent Strokes (Arnold aqui no Brasil). O jogo se passa numa mansão e você tem de auxiliar Kelly e as outras garotas na casa a se proteger de monstros/vampiros por armadilhas.
Longe de passar qualquer experiência de horror, o jogo é até um pouco cafona, mas serviu para acender o debate de censura em games e foi responsável, junto com Mortal Kombat, pela criação do sistema de classificação americana ESRB. Se Night Trap não era assustador e bizarro o suficiente, caberia então para o jogo Dark Seed de 1992 cumprir esse papel.
Baseado nas pinturas de H. R. Ginger (pintor suíço surrealista, famoso por influenciar esteticamente a série de filmes Alien), o jogo é um scifi de horror que abusa do horror corpóreo. Também representando um avanço gráfico nos jogos digitais, o jogo foi um dos primeiros de sua época a usar gráficos com 640 x 350 pixels, exigência direta do artista H.R. Ginger, para que suas pinturas não ficassem pixeladas em tela.
O protagonista era representado por um ator real (seguindo a ideia de Mortal Kombat), seu gameplay era um pouco truncado e se não cumprisse os objetivos na ordem certa e num tempo delimitado, o jogo tornava-se impossível de finalizar, forçando o jogador a reiniciar o game. Sua sequência, Dark Seed II, foi lançado em 1995 e seguiu a mesma ideia de ser antecessor.
Voltando a ideia dos FMV, temos The 7th Guest para PCs em 1993 que estabeleceria muito dos tropes clássicos do gênero, como um jogador com amnésia que acorda em uma casa misteriosa e tem de resolver puzzles até descobrir que é que aconteceu. O jogo serviu para firmar o uso de vídeos nos jogos e adoção dos CDs como mídia (antes eram por disquetes) na criação dos jogos digitais.
Esse caminho deu passagem a jogos como Phantasmagoria de 1995 para PCs. Quase todos os elementos em tela eram feitos com atores reais. O enredo mergulha história da escritora que se muda para uma casa do campo buscando por inspiração e acaba descobrindo um terrível segredo. A game designer que criou o jogo é também a Roberta Willians, que tinha criado o jogo Mistery House em 1980 e agora fundava a Sierra Online com seu marido.
Lançado também em 1995 mas com gráficos desenhados (nem por isso menos perturbadores) temos I Have no Mouth and I Must Scream (eu não tenho boca e preciso gritar), uma adaptação do conto de mesmo nome do escritor Harlan Ellison, famoso escritor de ficção científica (Exterminador do Futuro é baseado em um dos contos dele).
Contando com a participação do autor no jogo, é usada a ambientação do conto no desenrolar da história onde cada personagem tem de viver seu inferno pessoal montado por uma inteligência artificial suprema. O jogo conta com temas pesados como infanticídio, estupro e horror psicológico.
Em um jogo mais experimental ainda temos D, também de 1995 (que ano para o gênero) lançado para 3DO. Somos apresentados a Laura, uma concepção de atriz digital criada por Kenji Eno (diretor do jogo) que iria “atuar” nos demais jogos da série, mas não fazendo o mesmo papel em cada um deles. O jogo gira em torno de um assassinato em massa dentro de um hospital perpetuado pelo pai de Laura.
Ela é mandada para investigar o caso e é sugada para uma linha do tempo paralela onde o hospital é um castelo medieval e coisas bizarras acontecem. Os outros jogos que tem Laura como protagonista, mas que tem o enredo diferente e desconexo de D são Enemy Zero de 1996 e D2 (que apesar do mesmo nome, não é uma sequência de D), de 1999.
Indo finalmente para 1996, voltando com gráficos realistas (ainda que por forma de colagens exageradas) sendo tão experimental quanto D e abordando um horror mais psicológico e repulsivo temos Bad Mojo para PCs em 1996. Nesse jogo com claras referências ao trabalho de Franz Kafka no conto A Metamoforse, jogamos na pele de Roger Samms, um entomologista (que estuda insetos) que desviou dinheiro de pesquisa para benefício próprio e planeja começar vida nova no México.
Roger então é enfeitiçado e se transforma numa barata, o jogador agora tem de controlar a barata pelo lugar onde Roger mora e buscar uma saída pelo tormento. Os gráficos são bastante realistas o que aumenta a sensação de desconforto com o ambiente repugnante em que jogamos, com direito a ratos mortos, diversos insetos e comida apodrecida.
Finalmente o último jogo que merece um destaque nesse período da história do Horror nos jogos adventure, temos Sanitarium, lançado para PCs em 1998. Levando o conceito de horror psicológico quase literalmente demais, somos apresentados ao protagonista que vai parar em um sanatório após um grande acidente de carro. O jogo se desenrola em histórias diferentes em cada capítulo com uma ambientação bem diferente uma da outra.
Como próprio do gênero, Sanitarium nos faz questionar constantemente sobre a sanidade dos protagonistas, abusa do conceito de narrativa não confiável e se preocupa mais em passar um constante clima de desconforto emocional do que propriamente assustar o jogador. Sanitarium junto com outros gêneros de adventure conseguiram trazer uma grande experiência de horror psicológico para os jogos digitais, um ano antes da série Silent Hill popularizar o gênero.
Porém a sequência dessa história fica para um outro capítulo.
Esse artigo faz parte de uma série chamados Uma breve história do Horror nos Jogos Digitais, confira as outras edições.
Esse artigo é parte de uma série de artigos sobre a história de jogos de terror, confira os outros:
O horror como gameplay antes do Survival Horror (1980 – 1989)
O Horror como temática em jogos de Ação e Aventura (1982-1992)
O horror atmosférico dos Adventures (1989 – 1998)
Os bizarros jogos RPG de terror japoneses
Parte 1 e Parte 2