Dos gêneros de crítica social que eu mais gosto, certamente a comédia satírica é um dos meus favoritos. Tratar temas polêmicos e complicados com um humor ácido, sarcástico e as vezes escrachado é quase terapêutico ao mesmo passo que instrutivo, e sem dúvida a série de jogos Trópico faz isso com completa maestria.
A história da América Latina foi banhada em sangue por regimes e golpes militares que sempre buscavam a concentração do poder em um estadista autoritário que prometia resgatar o país de uma crise e ser o protetor do povo, ultimamente a jovem cientista política da Guatemala, Glória Alvarez, tem se tornado conhecida por tecer críticas incisivas a esses modelos políticos tão comuns em países latinos. Apenas no Brasil tivemos Marechal Deodoro, Marechal Peixoto, Getúlio Vargas e todo período do Regime Militar como exemplos de golpes militares e concentração de poder.
E é nesse espírito de crítica social com doses cavalares de humor satírico que é baseada a série de jogos Trópico, um jogo de simulação de governo que o jogador assume o papel de um estadista de um país na América Central durante a Guerra Fria. O objetivo é se manter no poder do jeito que puder, além de conseguir controlar as massas políticas do país e saber lidar com as influências das grandes potências em guerra.
Ao ser desleixado com a relação com os EUA ou com sua facção no país, os capitalistas, o jogador corre o risco de ter o seu país invadido e ser deposto, como aconteceu com a Guatemala em 1954, Chile em 1973 ou até mesmo o Brasil, com a ajuda da CIA no financiamento e organização do golpe militar de 1964.
Caso você seja desleixado com os direitos sociais da população, existe a chance da União Soviética financiar a facção presente em seu país, os comunistas, a organizarem uma guerrilha que, se vencer seu exército, seu personagem será deposto como presidente. Como ocorreu em Cuba em 1959 ou no Brasil durante o regime militar com a Guerrilha do Araguaia.
Além de lidar com os Estados Unidos e a União Soviética, o jogador deve lidar com potências da China, Europa e Oriente Médio. A boa ou má relação com qualquer uma dessas potências reflete em bônus ou penalidades durante o gameplay. Além das duas facções já citadas, os capitalistas e os comunistas, há também diversas outras para lidar.
Os ambientalistas, que lutam pela preservação da natureza. Os intelectuais que desejam uma boa estrutura educacional no país. Os religiosos, que defendem conservadorismo moral. Os militares que desejam um sistema de defesa contra os guerrilheiros forte e eficiente. Os nacionalistas, que são contra qualquer política amigável ao comércio ou cultura estrangeira. O descuido com as facções levarão a protestos com exceção dos legalistas, que sempre defenderão o presidente desde que ele mantenha a imagem de líder supremo.
Todo o desenvolvimento do pequeno país está nas mãos do jogador, incluindo as garantias de moradia e comércio, o meio de arrumar dinheiro é exportando bens ou explorando o potencial turístico da ilha. Não há espaço para empreendimento privado na ilha pois tudo pertence ao presidente, com exceção dos empreendimentos estrangeiros que são bancados por outros países.
O grande destaque no jogo está no modo campanha, onde conta a história de seu personagem na busca de ascensão ao poder onde é traído por diversas pessoas próximas a você. As primeiras missões são basicamente um guia criado pelo Generalíssimo (nome dado ao chefe militar e de estado ao mesmo tempo) Santana. Todos os personagens que aparecem durante a campanha são paródias de personalidades históricas como o líder rebelde Marco Moreno (Che Guevara), a inspetora Van Hoof (Margaret Tatcher) e o presidente Nick Richards (Richard Nixon).
A experiência de jogar uma partida de Trópico nos trás imediatamente uma visão política do populismo latino e, por meio de piadas, nos mostra o quão perigoso é ter uma organização política frágil e centralizada em apenas um ditador, como os países latinos estavam sujeitos a queda de braço das grandes potências durante a guerra fria e, como Glória Valdez comentou também em suas entrevistas, como o populismo na América Latina é de fato ambidestro.