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Porque ter Marx, Dickens e Darwin em Assassins Creed: Syndicate?

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Porque ter Marx, Dickens e Darwin em Assassins Creed: Syndicate?

Recentemente um ex colunista da Veja fez um comentário infeliz sobre a última edição da franquia Assassin’s Creed dizendo que a série está agora doutrinando os jogadores para o marxismo. Mostrando que não só desconhece o contexto histórico do jogo, como subestima o senso crítico dos jogadores da série. Independente de concordar com suas ideias ou não, esse texto visa explicar porque o papel de Marx em Assassin’s Creed: Syndicate foi bem contextualizado.

O enredo central da série se baseia numa espécie de “fake history”, onde os eventos estruturais do jogo bem como os costumes sociais do período são baseados na “história oficial”, porém com algumas liberdades criativas para a narrativa central, parecido com os “romances históricos” na literatura, como os “Três Mosqueteiros” de Alexandre Dumas.

A história central do jogo desenrola entre a rivalidade de duas sociedades secretas, os templários, que representam a ordem e o poder, e os assassinos, entidade responsável em combater a obsessão de poder dos templários. Apesar dos jogos centralizarem nas ações dos assassinos e ter o nome da franquia em sua homenagem, os roteiristas dos jogos deixam claro que não é uma relação de vilões contra mocinhos, mostrando falhas em ambos os lados e deixando claro que os templários realmente acreditam que o que fazem é correto.

Os episódios da série costumam se passar durante momentos conturbados e revolucionários da história onde os templários estão sempre ao lado do estabishment, ou seja, da ordem reinante, e os assassinos se aliam aos movimentos opositores e revolucionários, não importando qual ideologia seja de ambos os lados. A primeira edição mostra a fundação das duas entidades durante a terceira cruzada, de um lado os templários e do outro a ordem dos assassinos.

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O segundo jogo é ambientado durante a renascença italiana e tem um contraste menos político se comparado com a primeira e terceira edição. As aparições de personagens históricos que se aliam a um dos lados são bastante comuns, tendo Maquiavel como aliado dos assassinos e um jovem Da Vinci como auxiliar cientista do protagonista. O terceiro jogo da série, a temática é centrada revolução americana, e aqui as coisas ficam interessantes.

Porque ter Marx, Dickens e Darwin em Assassins Creed: Syndicate?
Big Ben Franklin

A ordem dos assassinos dessa vez está favorável aos revolucionários que buscam independência americana frente à Inglaterra e o cientista que dessa vez auxilia o protagonista com apetrechos tecnológicos é ninguém menos que o amante da liberdade Benjamin Franklin. Outra figura política importante ligada ao protagonista é Samuel Adams, principal responsável pela revolta da tarifa do chá que resultou no Tea Party, desencadeando assim a guerra pela independência americana.

Parte interessante dessa edição é também o DLC chamado “Tirania do Rei Washington” que imagina uma linha do tempo paralela onde George Washington, sob influencia de um artefato do jogo, fica obcecado pelo poder e se auto proclama rei, produzindo discursos inflamados com referências a ditadores populistas que veríamos séculos depois. O objetivo do protagonista é afastar a peça de Washington e o tirar desse transe, para que a recém-independente colônia volte a ser uma república da liberdade.

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Samuel Adams
 

Visto por uma visão preguiçosa e até paranoica, o Assassins Creed III é tão doutrinação do liberalismo como o Syndicate é do socialismo e tal visão se desfaz assim que analisamos claramente ambos os jogos. Estamos acostumas de associar a figura de Marx com a criação da União Soviética, estado que Marx sequer estava vivo para ver nascer. Mas a concentração da atuação política de Marx, apesar de nascido alemão, fora de fato na Inglaterra, principalmente durante o período do jogo 1868.

Marx se refugiaria em Londres após ser expulso da Alemanha e, em 1864, seria um dos fundadores da Associação Internacional dos Trabalhadores, quatro anos antes dos acontecimentos do jogo. Marx, junto com anarquistas e outros socialistas, representavam a luta dos trabalhadores contra a exploração e péssimas condições de vida nas fábricas inglesas.

Porque ter Marx, Dickens e Darwin em Assassins Creed: Syndicate?

 

Porém vale atentar que Marx não é a única figura histórica presente no jogo. Charles Dickens, escritor britânico, usava suas histórias para fazer duras críticas sociais relacionadas à pobreza e condições de vida dos trabalhadores e miseráveis, como em Oliver Twist. Assim como criticava a ganância e falta de compaixão humana como em “Um Conto de Natal”, Dickens, porém, nunca se associou a qualquer forma de socialismo.

O escritor é considerado como um dos proeminentes do liberalismo social, ou “social liberal” como é conhecido na língua anglófona. Dickens e os defensores do liberalismo social são a favor de um mercado livre de trocas voluntárias e do respeito à propriedade privada, mas alertam para questões de justiça social como saúde, educação e moradia. Frequentemente utilitaristas britânicos como Stuart Mill e Jeremy Bentham são classificados como liberais sociais.

Outro personagem histórico recentemente estabelecido no jogo é Charles Darwin. Apesar de não ser ligado a política, era na verdade um naturalista, o trabalho de Darwin foi reciprocamente influenciado pelo pensamento do também britânico Herbert Spencer. Apesar de ser erroneamente ligado ao eugenismo, Spencer foi um liberal que lutou contra a ação do estado e qualquer modelo político tirânico.

Em sua luta pela supremacia do indivíduo contra o estado e a ordem, Spencer advogou em favor da libertação feminina e o movimento sufragista inglês, além de defender direito a terra a todos aqueles que a podem trabalhar, influenciando futuramente o georgismo. Ecos da teoria de Darwin na política também soam no trabalho de Peter Singer intitulado “A Darwian Left” (uma esquerda darwinista).

A Ubisoft ao ambientar seu último jogo na revolução industrial e identificar os templários com os industriais e a ordem de assassinos com as revoltas operárias, além de escolher Darwin, Dickens e Marx como personagens reais no jogo não é só uma escolha natural para o enredo, mas também bastante previsível.

Assim como Assassins Creed III nos faz torcer pelo sucesso da independência americana liberal e minarquista frente ao governo tirânico inglês, Assassin’s Creed: Syndicate nos faz voltar os olhos para as questões sociais da classe operária durante a revolução industrial e nos despertar o sentimento de injustiça. Seja se aliando aos ideais socialistas, ou a visão liberal social de Dickens.

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