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As bruxas como medo a emancipação feminina

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As bruxas como medo a emancipação feminina

Mulheres que vivem sozinhas e têm gatos pretos e morcegos de estimação. Passam o dia cozinhando poções mágicas, enfeitiçando homens e mulheres do vilarejo e fazendo acordos com demônios. Seria a imagem típica das bruxas na literatura de horror, apenas uma abstração para o medo da emancipação feminina?

Uma história Social do Medo às bruxas

Eu me baseio no estudo que o Historiador Jean Delumeau fez no livro “A História do Medo no Ocidente” onde ele trabalha a ideia de que todo o medo fantasioso está fundamentado em alguma questão social e cultural da região. O medo de fantasmas, por exemplo, reflete no medo ao passado e da própria morte.

O medo do lobisomem é criado por se temer esse lado agressivo do ser humano que se quebrado, pode pôr em risco toda a pretensa civilidade que nos faz humano. Por fim, o medo das bruxas e da feitiçaria vinha da emancipação feminina e um ataque a ordem social estabelecida.

O medo a feitiçaria tomaria início desde a hegemonia do cristianismo na Europa como um sistema religioso e político. O objetivo aqui era romper com o passado romano politeísta e substituí-lo por uma religião centralizada e endossada pelo Império. Proibindo seitas pagãs e animalistas comuns no norte da Europa, devido ao seu caráter dinâmico e descentralizado.

Uma História Política do Medo as Bruxas

Apesar da visão da feitiçaria como algo nocivo e por isso inimigo à ordem estabelecida, não foram tomadas medidas rígidas contra a feitiçaria durante os primeiros séculos da Idade Média (século 5 até século 14) como perseguições e as famosas fogueiras.

Se constrói a ideia que o maior período de caça às bruxas vem da idade média que, apesar de ter nascido lá (na antiguidade, por exemplo, não existia muita resistência sobre o assunto) só tomou proporções assustadoras na renascença (depois do século 15) quando as reformas cristãs tomam um ar reacionário e violento.

A influência midiática na disseminação do medo

Com a imprensa de Gutemberg sendo inventada nesse período, a reprodução de livros e ideias entre as elites europeias se espalharia com maior facilidade, infelizmente os livros mais comuns da época, além da bíblia, foram os manuais de caça às bruxas que ajudaram a espalhar esse imaginário das mulheres como inimigas da religião cristã e da ordem vigente, entre eles o mais famoso chamado “Malleus Maleficarum” (Martelo das Bruxas).

A ideia desse livro e de outros parecidos era de criar basicamente um manual de regras que a “boa mulher casada” deveria seguir. Se ela se comportasse diferente do que era imposto, se considerava que ela estava sendo assediada por satanás e era considerada uma bruxa. A perseguição de mulheres que viviam sozinhas também toma forma nesse período. Qualquer manifestação xamânica era visto como um perigo para a hegemonia cristã.

A validação da violência

As Bruxas de Salém, um grande episódio de caça às bruxas na colonização inglesa na América no século 17, foi desencadeada porque a escrava chamada Tituba, originária de Barbados, contou histórias de vudu a amigas, causando pesadelos nelas. Após uma rasa investigação a base de tortura, foi se concluído que as mulheres estavam enfeitiçadas. O que desencadeou as torturas, prisões e execuções.

Ainda sobre o Martelo das Bruxas, não é necessário muito esforço para ressaltar o caráter antifemino do livro. Sempre imaginando o sexo feminino como algo frágil e volúvel a crença em satanás. Se contrapondo a razão e fé do sexo masculino, por isso ele validava a violência doméstica como método corretivo para trazer a mulher de volta a fé cristã.

Sendo assim, a maioria dos contos e histórias de bruxas que perpetuam no imaginário ocidental se validam nesse ataque e insegurança da independência feminina e uma crítica a tudo que foge da representação idealizada da mulher boazinha, dona do lar.

Uma nova possibilidade a bruxa?

Recentemente parece estar acontecendo uma releitura do mito da bruxa. Criado para subjugar as mulheres, hoje parece expressar exatamente o oposto. Como um símbolo de empoderamento e identificação feminino, como as seitas wiccanas e de sagrado feminino. E essa releitura já se reflete na cultura popular também.

No filme A Bruxa (que já comentei nesse texto, e numa lista de filmes de Horror Psicológico) brinca um pouco com esse tema. Ao empurrar a filha mais velha da família para esse imaginário de Bruxa, terminando por fim numa profecia auto realizável. Onde o abandono da família da personagem por acreditar que ela seja uma bruxa acaba empurrando a garota para aceitar um trato com o diabo e se tornar, por fim, uma bruxa. No único momento do filme onde ela finalmente se aceita com alguma paz.

Uma criação pessoal

Eu escrevi um conto sob o tema de dia das bruxas onde brinco também com esse imaginário estabelecido, revertendo sua narrativa. O nome do conto é À Procura da Bruxa, e pode ser acessado aqui. Na minha história existem 4 personagens, dois homens e duas mulheres. O protagonista, um antagonista inicial, uma antagonista tardia e uma personagem que é apenas mencionada.

A ideia é que os eventos desencadeados pelo antagonista ocorrem por causa de sua própria insegurança projetada na figura da mulher que vive sozinha. Sendo capaz de envenenar a própria esposa (como indicado pelo segundo plot twist irônico no fim da história) para agitar as pessoas a perseguir a suposta bruxa).

O primeiro plot twist irônico vem quando se descobre que a bruxa é verdadeira e acaba fazendo o primeiro antagonista sofrer pelo mal que ele próprio queria causar. O protagonista é salvo unicamente por não ter as mesmas intenções e por isso é poupado.

O protagonista “machão” e protetor, que geralmente visa o bem da comunidade e é o primeiro a pegar em armas para torturar mulheres, é comumente descrito neste tipo de história o herói. Na minha é o antagonista real, que leva a história a tomar o conflito final. O protagonista só é poupado por saber respeitar o espaço individual e não ser “o herói”. A antagonista apenas se defendeu.

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