Com reviews favoráveis da crítica especializada e críticas pesadas do público comum, A Bruxa é um filme que depende muito do que você espera dele e do que exatamente você entende por Horror Psicológico. Enfatizando não no monstro sobrenatural, mas no conflito interno da sanidade dos personagens.
Uma coisa é certa, A Bruxa não é um filme para assustar. O primeiro ato é quase completamente centrado no gênero Drama, apresentando quase nada que o faça adentrar no ambiente do horror, passeando as vezes entre o sobrenatural e o realismo. Essa é uma característica definitiva do Horror Psicológico, misturar diversos gêneros de narrativa numa só história.
O conflito principal do filme, que é apresentado já no trailer (por isso não é spoiler, tá seus chatos?) é sobre a filha mais velha ter perdido o bebê mais novo de vista sem nenhuma explicação razoável para seu desaparecimento, fazendo a família tomar lados distintos de confiar ou não na confusão da garota, enquanto ela mesma não sabe dizer o que aconteceu.
Logo os conflitos vão se escalando numa grande espiral que coloca todos os familiares uns contra os outros e cada pessoa da família começa a desconfiar até de si mesmo. Já no segundo ato temos alguns relapsos de horror com sobrenatural, nada o suficiente para tirar a suspensão de crença do filme, apenas adicionando mais camadas de conflito e confusão aos personagens e a nós como espectadores.
Aliados a narrativa temos também uma fotografia incrível feita com luz natural, mesma técnica do vencedor do Oscar desse ano em fotografia, O Regresso. Inclusive quase podemos comparar as imagem dos dois trabalhos. Na sonoplastia temos um trabalho cuidadoso com a trilha sonora e um filme que sabe trabalhar muito bem o silêncio, a falta de ruídos, que não só é um diferencial em uma obra de horror, mas primordial em uma obra de horror psicológico.
O trabalho de adaptação e periodização do filme também é muito bom. A época do filme é traçada na colonização britânica na Nova Inglaterra (região nordeste dos EUA), que eram vilas puritanas de refugiados britânicos. O medo do desconhecido e o conservadorismo cristão trazia um estado de pânico a região que habitavam. Não a toa, décadas depois eclodiria em Massachusetts o episódio das Bruxas de Salem, onde houveram julgamentos de habitantes sobre a prática de bruxaria.
Vocês devem estar se perguntando então, como uma adaptação tão fiel, com aspectos técnicos de ponta e um enredo bem trabalhado fez com que tantas pessoas odiassem o filme? Porque essa diferença do público crítico e o público leigo na avaliação do filme? A resposta é mais simples do que parece, a diferença é na verdade, na expectativa criada sobre o filme.
Após o tuíte apaixonado do mestre do horror, Stephen King falando de como a obra o assustou, e de vários grupos satanistas apoiando o filme como um retrato fiel da religião deles. Muitas pessoas abraçaram a ideia (eu inclusive) que o filme seria um grande turbilhão de sustos e horror gráfico, o que está longe de ser verdade.
Talvez acostumados pelas recentes obras de terror no jogos digitais e cinema, onde os jumpscares são a palavra de ordem. Milhares de pessoas não esperam uma trama intricada e conflituosa em um filme de horror, talvez esperam algo do gênero slasher, como uma força sobrenatural que sai caçando jovens desavisados.
A Bruxa é um filme que não te assusta, mas que traz uma análise perturbadora do ser humano, colocando filha contra mãe, uns contra os outros, o perigo do fanatismo religioso e, até que ponto o sobrenatural pode influenciar o nosso mundo. Até que ponto nossa sanidade está segura?
As cenas de horror psicológico tendem não a te assustar por um momento e depois aliviar a tensão pela sensação boba de se assustar por um filme. As cenas de violência são breves e vagas para o espectador digerir cuidadosamente a narrativa e questionar cuidadosamente o que foi mostrado. Trazendo o terror não para a tela, mas para a mente do espectador.
A Bruxa foi uma boa obra do horror psicológico e junto com Babadook (o que na opinião desse crítico, é um filme ainda melhor do gênero) pode ajudar a criar uma escola de filmes de horror que são feitos não para nos dar sustos repentinos, mas para nos perturbarmos nos nossos pensamentos mais íntimos e nos acompanhar nos ambientes mais escuros da nossa mente.