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Qual o papel da arte e suas potencialidades

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Qual o papel da arte e suas potencialidades

O que é a arte? Ela pode ser definida e comensurada? Ele serve à um papel específico ou é obrigada a servir algum papel? Quais de fato são suas potencialidades através da história? É isso que pretendo descobrir.

Ventilando sobre a recente polêmica não só da exposição do queermuseu financiada pelo Santander, mas como diversas outras, vemos que diversas pessoas de diversas ideologias afirmavam com toda segurança que a arte tem um papel próprio e único, e que uma obra pode ser julgada por cumprir ou não esse papel.

A arte e suas potencialidades

Porém, é um fato tão claro assim decidir qual o papel da arte? Quais são seus objetivos concretos e potencialidades como obra artística? Farei uma análise histórico-cultural da arte de caráter temático para demonstrar as diversas funções que a arte desempenhou durante a história da humanidade. E quais as possibilidades e potencialidades da arte nos tempos atuais.

 

Ostentação

Talvez essa ideia seja a menos esperada numa lista onde se busca “justificar a arte”, mas na verdade a busca pela “ostentação” e demonstração de riqueza foi por muitas vezes, um período de base para uma grande efervescência da arte. Onde grandes milionários e magnatas patrocinaram grandes artistas de seu tempo.

 

O primeiro exemplo mais claro foi talvez durante o período clássico da arte grega, que coincide perfeitamente com a solidificação de uma nova elite urbana grega, que financiava a criação de artistas gregos nos mais diversos campos. Tal modelo iria depois influenciar a prática mecenata durante o renascimento. Onde famílias nobres de comerciantes italianos (como os Médicis, fundados pelo banqueiro Cosme de Médici) financiaram os principais artistas da renascença como Michelangelo e Rafael Sanzio.

 

A arquitetura é, por si só, uma expressão artística intimamente ligada com a demonstração de poder e riqueza, pelo porte e complexidade de suas estruturas, e tal ideia teve seu ápice na ascensão burguesa do século XIX com a arquitetura eclética, que visava conciliar os estilos anteriores a mando de uma nova elite sem um gosto estético próprio. Essa arquitetura foi muito comum durante a Belle Èpoque Paulistana

 

Idealismo

Partindo principalmente do ideal platônico na filosofia, que diz que todas as formas terrestres não são nada além de uma mera réplica de um molde perfeito acima da nossa realidade, a arte platônica (refletida principalmente na Grécia Antiga e no Renascimento Italiano) pretendia retratar justamente a perfeição de uma ideia através da arte.

 

Por isso que em ambos os períodos vemos um profundo estudo da anatomia humana e a reprodução de formas corporais belas e esbeltas que estão longe de representar a pessoa comum mediana. Tais representações seriam o que seus escultores tomavam como ideal e perfeito.

 

Na literatura durante a Idade Média podemos ver a reprodução do ideário do amor romântico ideal em cantigas de amor do Trovadorismo do século XI, e no comportamento ideal de nobreza e bravura em romances de cavalaria como os contos da Távola Redonda.

 

A estética idealista teria um grande renascimento com o idealismo e romantismo da idade dos séculos 18 e 19. As representações de ideais de nações ou ideias em pinturas como “A Liberdade Guiando o Povo” de Delacroix. De forma muito mais simplória, podemos ver representações de ideais em comédias românticas que sempre tentam retratar o “amor ideal” (por vezes, o amor platônico).

 

Realismo

Geralmente ocorrendo na história da arte em imediata resposta ao último tema retratado, o realismo busca usar a arte para retratar o cotidiano, o normal. Ao contrário do que é feito no ideal. A maneira de retratar do real pode variar para a simples transgressão de valores ideais já estabelecidos (tema que tratarei na sequência).

 

Também pode ser usada de sátira a uma corrente idealista passada, como foi o romance “Don Quixote” de Miguel Cervantes, um relato de tom realista sobre um idoso alucinado tentando reproduzir as aventuras fantasiosas dos romances de cavalaria.

 

Na pintura, temos o Realismo nas últimas décadas do século XIX como movimento em resposta direta ao idealismo artificial do romantismo e neoclassicismo. Durante o período era comum retratar paisagens ou a miséria do povo comum e pobre, sendo influenciado pelas políticas sociais da época. Na literatura podemos ver exemplos como as crônicas de Machado de Assis e as críticas sociais de romances como os de Charles Dickens, ambos com a mesma ideia de “retratar a realidade”.

 

O cinema desde o início do século XX foi usado principalmente para retratar a fantasia e ficção, até com o advento do neorrealismo europeu, principalmente na França e Itália. Que buscava representar também a realidade da população miserável e fazer uma crítica social ao fascismo das décadas de 30 e 40, tendo “O Ladrão de Bicicletas” como principal exemplo.

 

Transgressão e Crítica Social

Aliado intimamente com o realismo, por diversas vezes na história pudermos ver a arte sendo utilizada como símbolo de transgressão, indignação e ataque ao status quo. Durante a arte românica nos primeiros séculos depois de Cristo, quando o cristianismo ainda era ilegal no império romano. Temos exemplos de afrescos em murais de catacumbas feitos ilegalmente. Sobre isso e o uso da pixação como manifestação política, eu já comentei em outro texto.

 

Até mesmo a eroticidade na arte já foi usada de forma a contestar a moralidade sexual da época, como as obras de Marquês de Sade e Oscar Wilde. Ou os poemas e contos eróticos (geralmente envolvendo freiras e pessoas da igreja) na França do Antigo Regime, como um ataque direto a nobreza e a religião, como levantado por Robert Darton no ensaio “Pornografia filosófica”.

 

Representatividade

Após a consolidação de movimentos sociais como feminismo e teoria de gênero, vemos também um impulso na representação dessas minorias em obras de artes, principalmente no século XX até a atualidade dando sequência tanto na ideia realista como na tentativa de transgressão que expliquei nos dois últimos tópicos.

Temos exemplos de obras como a HQ “O Azul é a Cor Mais Quente” e sua respectiva adaptação aos cinemas, os jogos “Gone Home” e “Life is Strange” e outras diversas obras que retratam a descoberta da própria sexualidade de uma forma natural e desmitificada.

 

Moralismo

Não há de negar porém, que a arte já foi feita como modo de servir de exemplo de conduta e moral a sociedade. As fábulas, que por si só são uma evolução de antigos provérbios, foram construídas de forma a passar pequenas lições de moral em suas histórias.

 

O renascimento dos Contos de Fadas proporcionado pelas “Histórias da Mamãe Ganso” de Charles Perranult, tiveram também esse mesmo intuito moralizador (ainda que as demais obras do estilo buscaram se afastar dessas ideias posteriormente).

 

Há também os já mencionados romances de cavalaria, que serviam profundamente como um manual de conduta para homens e mulheres se portarem com elegância nos séculos finals da Idade Média.

 

Conclusão

Tendo notado os diversos papéis e potencialidades que a arte tomou durante os séculos da história da humanidade, temos nós capacidade para ditar no presente, qual o papel da arte na nossa sociedade? Será talvez que esse exercício histórico não tenha nos mostrado que a arte é em si mesma, uma expressão livre e que tem potencialidades ilimitadas para se expressar?

Talvez o jeito ideal de pensar a arte seja justamente essa ideia livre de expressão voluntária. Onde cada pessoa busca expressar suas próprias ideias e razões, Devemos jugar uma obra pela habilidade em demonstrar o que quer, e não sobre o que deveria ou não estar falando. E, mais importante de tudo, impedir a nós que sejamos os censores da arte que não nos agrada. Pois a arte é expressão, representação. Não é um ato, uma apologia, que deve ser proibida.

Se expressar e representar, esse é enfim o papel da arte. Assim a arte e suas potencialidades serão de fato infinitas.

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