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Moirai – Meta jogo, toxicidade e moralidade

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Moirai - Meta jogo, toxicidade e moralidade

Semana passada eu postei a tradução de um artigo sobre um jogo bastante emblemático chamado “Moirai” e sua problemática história, desenvolvimento e eventual cancelamento pelo desenvolvedor. Hoje pretendo dar a minha própria opinião sobre o jogo, buscar um pouco de seu simbolismo, e trazer alguns questionamentos sobre a moralidade da comunidade gamer e os “meta jogos”.

Nascido do mito grego

Moirai vem da palavra grega do que conhecemos como “Moiras” ou, para os mais aficionados por mitologia romana, as Parcas. Três entidades primordiais da mitologia grego-romana responsáveis pelos destinos dos humanos.

As três Parcas representam, cada uma, um estágio da vida do indivíduo. A primeira, chamada Clotho (em grego, fiar) ou Nona (em latim, associando com o nono mês de gestação) representa o nascer.

Lachesis (em grego, sortear) ou Decima (em latim) representava o fio da vida, a sorte ou azar do destino. Atropos (em grego, inevitável) ou Morta (em latim) representava o fim da vida. Ainda que elas não controlavam a vida dos deuses, nem mesmo Zeus (ou Saturno em Roma) podiam intervir em suas decisões sobre os mortais).

A relação com o jogo

Ao iniciar Moirai pela primeira vez, desconhecendo o propósito do jogo, o jogador assume a posição de Atropos onde, ao se deparar pela primeira vez com um fazendeiro manchado de sangue em sua roupa. Decide pelo seu destino sem saber que o personagem se tratava de outro jogador que jogara esse jogo antes dele.

Uma vez completada a história onde dessa vez, decide o destino de um personagem não jogável. O jogador deixa sua sobrevivência nas mãos dos próximo jogador, deixando apenas algumas palavras explicativas com a esperança de que seja poupado. Alimentando o ciclo infindável de morte ou sobrevivência.

Com esse recurso, Moirai não é apenas um jogo em si. Mas sim, uma narrativa que se constrói através de um recurso metanarrativo que pode ser apropriado por um “meta-jogo”, onde outros jogadores contribuem para um “jogo além do jogo”. Bem, deixe-me explicar melhor.

O que diabos é meta-jogo?

Como é um termo bastante complexo e eu não quero alongar e divergir a atenção do texto demasiadamente, ofereço esse texto que dá uma explicação simples, variada e com diversos exemplos didáticos sobre o meta jogo não só em jogos e esportes, como nas mais diversas interações humanas.

Para aqueles que estão com preguiça, não querem entrar nessa toca de coelho de termos ludológicos e só querem uma explicação rápida de um parágrafo: “meta-jogo” é o jogo sobre o jogo”, a consciência de que existe o jogo e que é possível jogá-lo contra seus adversários além das regras do jogo.

O termo é massivamente usado em MOBAs, onde os personagens mais fortes e estratégias mais otimizadas são considerados “meta”, ou seja, usado pela maioria dos jogadores que estudaram os números e chances de sucesso. Jogar o meta jogo é não só saber o que é bom dentro do jogo, mas saber presumindo o que o outro jogador irá fazer e montar sua estratégia em cima disso.

O meta jogo em Moirai

Porém, como Moirai é mais uma narrativa interativa do que um videogame competitivo, seu conceito se transforma mais em uma metanarrativa do que em um metajogo. Ao saber que o próximo jogador irá interagir com seja lá qual for o texto que você digitar, muitos tomaram um caminho mais sombrio.

Era comum que escrevessem obscenidades, ofensas raciais e palavrões apenas para testar o limite de censura codificada pelo desenvolvedor. Outros apenas testavam os próprios limites morais para horrorizar os próximos jogadores desavisados que se aventurarem por lá. Tudo isso ocorre após a consciência do “jogo além do jogo” contido na meta narrativa de Moirai

Malditos jovens dos games

Devido a toxicidade de sua própria comunidade, Moirai nunca mais poderá ser jogado novamente. Porém, será mesmo justo dizer que a comunidade gamer é exclusivamente tóxica e nada podemos fazer contra isso?

Por mais que o público gamer mereça as críticas que recebe da mídia às vezes, esse caso não é uma exclusividade nossa. Alguns exemplos interessantes na recém história da humanidade podem nos dar uma luz a essa experiência social de permissividade e potencialidades de violência.

Uma performance artística

Em 1975 a artista Marina Abramović performou o que chamou de “Ritmo 0”, onde ficaria parada em frente a uma mesa com 72 objetos (dentre eles flores, vinho, perfumes, lâminas e uma arma carregada) com uma placa dizendo:

Instruções: Há 72 objetos na mesa que se pode usar em mim como quiser. Performance: Eu sou o objeto. Durante esse período eu me responsabilizo totalmente.

O que começou com tímidas expressões de carinho, logo se tornaram atitudes violentas e invasivas chegando a ameaças reais de morte (maiores informações sobre a perfomance encontram-se nesse link). Ao fim da performance, a artista caminhou em direção ao público, que corria envergonhado pelas atitudes tomadas e seu confrontamento direto com a vítima.

E um experimento social

Em 1971, um experimento psicológico e social na universidade de Stanford, EUA, propôs estudar os mecanismos sociais que fazem uma prisão americana se tornar um ambiente tão violento. Para isso, reuniram um grupo de voluntários estudantes e aleatoriamente os dividiram entre prisioneiros e carcereiros.

Em resumo o experimento se tornou bastante violento, onde os “carcereiros” tornaram a abusar de seu poder e adotaram medidas violentas e técnicas de tortura aos “prisioneiros”. Em suma tudo ficou ruim tão rápido que o experimento foi cancelado em seis dias de duração. Para maiores informações sobre a experiência, clique aqui.

A universidade pretendia refletir um estudo sobre comportamento humano e a capacidade de “seguir ordens” feito anteriormente sob o nome “Experiência de Milgram” que teve resultados igualmente assombrosos.

“O lobo do próprio homem”

Dessa forma, todos os pensamentos misantrópicos (ódio à humanidade e sua natureza) parecem florescer ao revisarmos essas experiências. A frase “O homem é o lobo do próprio homem” escrita pelo filósofo Thomas Hobbes para justificar um governo tirânico que limite a ação do homem parece ecoar na nossa mente.

É provável que Hobbes estivesse certo sobre a natureza selvagem humana, e somente o pesado braço da justiça poderia controlar sua natureza destrutiva. Ou talvez o problema seja mais complexo que isso. Talvez tudo seja um problema de desumanização e dissociação da imagem da pessoa a sua representação.

A desumanização do outro e das consequências de nossos atos

Como pode uma mesma comunidade que, em sua maioria, se orgulha de salvar o cachorro em RE4 e Paarthurnax em Skyrim. Contudo, seja tão rápida em destilar crueldade contra um jogador que divide o mesmo hobbie que ele?

O desenvolvedor de Moirai, ao responder alguns jogadores tóxicos de seu jogo, recebia respostas como “ah, não pensei que alguém fosse receber isso”, quando o mesmo confrontou o hacker que derrubou o seu jogo, ele responde: ”Por que eu achei engraçado” e isso pode explicar muita coisa.

Há uma dissociação de que nossas atitudes refletem em uma pessoa, tem consequências no mundo real. Quando esse processo de desumanização do outro acontece, é aí que os momentos mais escuros da humanidade desabrocham.

A banalização do mal

Isso se repetiu em Morai, no experimento penal de Standford e mesmo na intervenção artística de Marina. Similarmente é também relacionado ao conceito de “banalidade do mal” explorado no livro de Hannah Arendt sobre o julgamento de um oficial nazista por seus crimes de genocídio contra o povo judeu. Onde o mesmo alegou apenas estar “seguindo ordens”.

Portanto que nossa relação com outros humanos, pessoalmente ou através da internet, jamais seja esvaziada de sentido e desumanizada. Sobretudo, que possamos enxergar nos outros, um pouco de nós mesmos. Um ser que pensa, age, sofre e se machuca também.

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